“Túlio, anão é uma pessoa com deficiência? Sempre quis perguntar isso, mas fico receosa. Como sei que você é tranquilo, pode me responder, por favor?”.
 
 
Escrito por Tulio Mendhes – Blog mão na Roda
 
Essa pergunta veio de uma leitora que pediu pra não ser identificada, mas pra eu não deixá-la sem identidade, vou chamá-la de Branca das Neves, uma prima distante de uma mocinha procurada anos atrás por um caçador a mando de sua megera madrasta. Uma história de perseguição familiar, amizade, superação, mas com final feliz. Enfim…
 
A Branca das Neves tem interesse num pequeno grande homem. Contudo esse pequeno grande príncipe não tem noção do interesse de Branca. Eles trabalham na mesma empresa, ela o trata com muito respeito e lhe devota enorme carinho. Branca não tem certeza se seu amado é considerado pessoa com deficiência ou apenas um homem baixinho.
 
Vamos com calma. Antes de falar sobre o pequeno príncipe da Branca das Neves, quero deixar claras as estaturas oficiais que são consideradas diagnóstico de nanismo. Um homem com até 1,45cm de altura é considerado anão, enquanto uma mulher com menos de 1,40cm é considerada anã.
 
Conversando com a apaixonada pelo pequeno GRANDE garanhão, ela me disse que seu amado tem aproximadamente 1,20cm de altura, ou seja, ele é super, mega, power, máster, blaster anão. Isso é um fato. Convicto do nanismo do homem que roubou o coração de Branca, respondo a pergunta que ela me fez: “Anão é deficiente?”.
 
Sim. No Brasil, a condição de nanismo é reconhecida como deficiência física desde 2004. Segundo o art. 4º do Decreto 3.298/1999, é considerada pessoa com deficiência todas as que se enquadram nas categorias de deficiência física, mental, visual, auditiva e deficiências múltiplas, ou seja, aquelas com associação de duas ou mais deficiências.
 
No caso do “pequenino” de Branca, ele se enquadra na deficiência física descrita minuciosamente no inciso I do art. 4º como “alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, NANISMO, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;”.
 
Um fato é que grande parte da sociedade não pensa na acessibilidade pras “pessoinhas” pequeninas como eu e meus “amiguinhos” anõezinhos. (Lindinho falar tudinho no diminutivinho, não é? SQN)
 
Quando falamos em acessibilidade, geralmente lembramos do elevador, da rampa, piso tátil, sinalização adequada pra os amigos surdos, lembramos de portas largas, vaga preferencial e mais uma “pancada” de coisas ESSENCIAIS pra nossa vida enquanto deficientes que, a propósito venho cobrando essas “coisitchas” aqui no blog. Entretanto esquecemos de acessibilidades não menos importantes. Deixa eu explicar…
 
Eu tenho 97cm de altura de pura “seduzência”… Quando eu andava de muletas isso há 19 anos… Eu “sofria” pra chuchu no dia a dia. Tudo muito alto, até o vaso sanitário era alto. O fato de eu ter vindo pra cadeira de rodas amenizou um pouquinho minha situação, pois as acessibilidades que necessito acabam sobressaindo as demandas de cadeirantes.
 
Agora imagine eu com esse corpinho gostoso, andante, mas com a mesma altura tentando embarcar no transporte público! “Cheçus Kraisti” que cena! Não dá. Sério. “Xarabacantas” por eu ser “aleijadinho”, obrigado “Daddy” (papai em inglês). Eu não conseguiria ter a força e superação que meus colegas anões têm em suas rotinas. Eles são a grandeza da superação.
 
Caro leitor, me faz um favorzinho. Olhe pra maçaneta da porta mais próxima de você. Olhou? Mas olhou de verdade ou está me enganando? Já que olhou vou continuar…
 
Novamente euzinho se eu estivesse em pé com meus 97cm não conseguiria abrir essa porta aí. É sério. Minha cadeira de rodas me proporciona certa altura facilitando minha vida, entretanto, mesmo com alguns centímetros a mais encontro dificuldades pra abrir portas comuns.
 
Vamos pra outro caso “banal”. Nós homens fazemos xixi em pé… Bom dessa eu vou me excluir, pois eu não fico em pé pra fazer nadinha, morro de preguiça. Continuando…
 
Os homens “geralmente” fazem xixi em pé. Nos banheiros masculinos existem os boxes pra o número “2” e os mictórios pra o número “1”, popularmente nosso xixi de cada dia. Agora me responda, aliás, responda no seu subconsciente… É fácil pra os homens anões usarem banheiros públicos? Aqueles mictórios são mais altos que eu, literalmente.
 
Na minha antiga firma, eu tinha a chave do banheiro adaptado, pois eu era o único deficiente do local. Participei de todo o processo de construção e inauguração do prédio. Ou seja, ninguém tinha usado aquele lindo e espaçoso banheiro que eu chamava de MEU. Lá existia o tal mictório e um box com vaso sanitário e um chuveiro pra emergência. Próximo à porta ficava aquela linda pia de mármore com secador de ar quente pras mãos, uma saboneteira mais cara que meu almoço diário e um cheirinho de lavanda pra passar nas mãos. Entretanto, eu não conseguia usar aquela pia sem me machucar ou molhar minha gravata, minha camisa… Toda vez que ia usar aquela bendita, acontecia à mesma coisa, eu tomava um banho sem querer. E pra escovar os dentes pós-almoço? Um desastre. Até que um dia eu tive um insight…
 
Com os olhos arregalados iguais aos do Mr. Bean, eu olhei pelo espelho e enxerguei aquele lindo e funcional mictório atrás de mim. Nunca usado, estava até com o jornal no ralo igualzinho os pedreiros deixaram. Adivinhe!
 
Siiiiiiim… O mictório virou minha pia. O negócio era tão alto pra eu fazer xixi e a pia era muito alta pra eu escovar meus dentes… então como um gênio eu solucionei a “bagaça” uai. Mas muita calma nessa hora e muita hora nessa calma, eu não fui louco de usar a água daquela torneirinha do mictório né gente! Sou doido, mas nem tanto. A solução foi comprar uma garrafinha de água pra que toda vez eu enxaguasse a boca e cuspisse na pia super inovadora sem me molhar. Achei aquele mictório tão prático, tão funcional, tão lindo, muito mais lindo que o mármore caro da pia verdadeira.
 
Caro leitor, as pessoas associam o nanismo com piadas toscas, uma grande dose de humor sem graça – sim, sem graça. Mas não é nada engraçado enfrentarmos a altura de tudo a nossa volta. Mesas, cadeiras, carros, mictórios etc.
 
As mulheres anãs sofrem um bocado com banheiros de uso coletivo. Um fato é que toda mulher que necessita usar banheiro fora de casa, sempre faz aquela “gambiarra” com papel higiênico na borda do vaso pra enfim sentar e usar aquela louça com o mínimo de higiene possível. Tenho amigas que não sentam nem se ganharem dez quilos de ouro. Em vez da gambiarra com papel, elas fazem malabarismo, contorcionismo e usam o “penico adulto” sem encostar nele.
 
Agora imagine a dificuldade de uma amiga anã. Mesmo que a gambiarra do papel dê certo, ela sempre corre o risco de encostar num lugar que nenhuma outra mulher encostaria como a borda do tal vaso, a tampa, aquelas benditas paredes mal lavadas etc. Acredito ser bem mais complicado elas apelarem pra o contorcionismo correndo o risco de se machucar. E as anãs vaidosas? Como retocar a maquiagem num “toilet” com espelhos sem inclinação? As anãs gatinhas que eu conheço (sentido profissional tá coleguinha) sempre andam com seu próprio espelhinho na bolsa.
 
– Ah Túlio, qual a mulher que não tem espelho na bolsa?
– Ok. Acho difícil encontrar uma dama sem a mania da madrasta da Branca de neve (espelho, espelho meu)… Mas imagine uma coisa. Se uma mulher sem nanismo precisar retocar a “make”, mas ao abrir a bolsa encontra o batom e todo aquele “bagulho” exceto o espelhinho particular, a cidadã consegue sem problemas usar o espelho na parede do local. Não é? E a Angelina Jolie versão mini? Faz o que? Vai na fé ou na câmera do celular. Tem solução? Sim. Mas não deveria ter ACESSIBILIDADE? INCLUSÃO? Onde fica o “TODOS SÃO IGUAIS”?
 
Conversei com alguns anões e fui surpreendido com a negação na exposição de suas demandas, dificuldades etc. A princípio fiquei confuso, mas depois compreendi e respeitei a decisão de cada um. O motivo dessa negação? Chacota, piadinhas medíocres no ambiente de trabalho, na faculdade e até nas reuniõezinhas de família.
 
Eu mais que concordo que em alguns exemplos eu peguei mais pesado na ilustração, contudo esse “peso” não pode ser comparado quanto ao peso cotidiano de quem depende de acessibilidade, nós os baixinhos – não os da Xuxa. A dose de “exagero” não pode ser mensurada frente à necessidade de inclusão da pessoa com deficiência.
 
Caro leitor, provavelmente você não tem dificuldades ao abrir a porta do seu carro, a porta de casa, se você for homem consegue usar o mictório só pra o “xixizinho”, se for mulher pode optar pelas posições de yoga na hora de usar aquele banheiro sujinho, mas necessário. Por isso quero que faça um experimento e me conte seu ponto de vista.
 
Na hora que for almoçar, imagine que eu esteja em pé do seu lado tentando fazer os mesmos movimentos que você na hora de servir o prato. Se for num restaurante, com certeza existem aquelas pistas quentes e frias, você visualiza o alimento, escolhe, pega a porção que lhe agrada e “pimba”, prato montadinho. Agora… Eu ou um anão andante conseguíramos fazer tudinho igual a você sem nenhuma dificuldade? Vou pegar mais leve um pouquinho. Esqueça os anões. Imagine o seu filho, sobrinho, neto tentando realizar a mesma tarefa. Eles (a) encontrariam alguma dificuldade? Correriam o risco de se queimar ou sofrer qualquer outro acidente durante a atividade? E aí?
 
Quando nos colocamos no lugar do outro, compreendemos a real necessidade da inclusão. Quando percebemos que uma rampa de acessibilidade não é usada apenas por cadeirantes, mas também por mães com carrinhos de bebês, idosos mais debilitados, um atleta que torceu o pé e precisa evitar degraus etc… Quando enxergarmos o sentido literal de que “TODOS SOMOS IGUAIS”, compreenderemos o quanto esse significado impactaria na boa convivência, na tolerância, no respeito da nossa sociedade.
 
Acessibilidade não é só pra deficientes. NÃO MESMO. É pra você também. Se não hoje, amanhã quando for idoso. Se não pra você, mas pra os seus pais sem nenhuma deficiência que na terceira idade estarão mais “limitados”, propensos a quedas etc. Se não precisar, aliás… Uma hora você precisará e saberá a importância de um banheiro acessível, um táxi, ônibus, a mesa do escritório, o balcão da lanchonete, as pistas de comida no restaurante, os caixas eletrônicos, guichês de atendimento, preferência em filas, vagas preferenciais no estacionamento… Saberá a importância do “Mão na Roda” na vida de cada leitor que passa a enxergar o mundo como um TODO.
 
Com certeza retornarei com esse tema em outras oportunidades, até lá me conte o que pensa disso tudo? Tem uma história que queira compartilhar com a gente? Quer saber mais sobre acessibilidade, inclusão, deficiências? Ficou alguma dúvida, tem alguma sugestão, reclamação, crítica? Envie-me uma mensagem, vamos conversar. Meus e-mails são: tulio.mendhes@tvintegracao.com.br / maonaroda@tvintegracao.com.br. Até a próxima postagem com a graça de Deus. Ah não se esqueça de compartilhar.