Nossa colunista (da revista Crescer), Andrea Werner, reflete sobre vida, felicidade, família e não poderia deixar uma mensagem mais linda para o ano que vai começar
 
Por Andrea Werner*
 
Família feliz (Foto: Thinkstock)
Família feliz (Foto: Thinkstock)
 
No último fim de semana, vi um vídeo que me deixou pensativa pelo resto do dia. Nele, uma senhora com câncer terminal fala da morte com uma naturalidade cortante, crua, daquelas que chegam a ser ofensivas para nós, pobres mortais, que vemos na finitude um tabu. Ela começa o vídeo comentando que, quando ficou sabendo que ia morrer, a primeira coisa que pensou foi “vou perder a última temporada de Game of Thrones e não vou saber quem ganhou a guerra”.
 
Faz poucos anos que tenho encarado a finitude com mais naturalidade. Afinal, é assim com as plantas e com todos os animais. Cumprimos nosso ciclo e vamos, ficando presentes nas memórias e nos corações das pessoas com quem convivemos ou que marcamos de alguma forma. Mas, acima de tudo, pra mim, falar de morte faz pensar em vida.
 
Vida, aquela de cada um. Umas mais fáceis, outras mais sofridas, outras que fazem sofrer, outras que aliviam a dor dos outros.
 
Vida, aquela coisa que acontece tão automaticamente quanto nossa respiração (e que está intrinsicamente ligada a ela). Talvez, por isso, não nos atrai tanta atenção na maior parte do tempo. E, vendo aquela senhora da reportagem falar de como abriu mão de terapias paliativas (e dolorosas) para ter mais tempo, percebi como, realmente, viver é diferente de sobreviver.
 
Hoje em dia – e já faz alguns anos – , parei de ter vergonha da minha idade. Fiz 42 em novembro, com muito orgulho. Tenho feito o possível para envelhecer bem, me cuido, mas não escondo a idade. Afinal, envelhecer é para quem tem sorte.
 
Este foi um dos motivos pelos quais decidi voltar com a família depois de uma temporada de 3 anos morando no exterior. Ver os pais com frequência esconde ou disfarça o próprio processo de envelhecimento deles. Mas, quando você os vê só 1 ou 2 vezes em um ano, as mudanças trazidas pelo tempo sambam na sua cara como uma madrinha de bateria. A conclusão – muito pessoal – à qual cheguei é de que a vida é muito curta para ficarmos longe de quem amamos.
 
Ter um filho também nos deixa mais atentos à passagem do tempo. Hoje em dia, olhando as fotos do Theo bebê, me pego pensando em como parece que aquilo se passou em outra vida. Meu bebê tão lindo, de olhos grandes e expressivos, gengiva banguela e dobrinhas, agora pertence às lembranças e às fotos e vídeos armazenados no computador.
 
Na semana passada, pela primeira vez, experimentei, no meu próprio pé, um tênis que era destinado a ele. Não vou negar que a experiência me balançou. Cadê aquele pezinho (nada cascudo) que já coube inteiro na minha mão?
 
Não é à toa que o Theo é meu maior professor. Me escancara a passagem do tempo, me mostra como a vida pode ser vivida de forma plena e feliz mesmo “fora dos padrões”, me ensina todos os dias como a verdadeira felicidade está nas pequenas coisas. Foi depois dele que comecei a “viver mais que sobreviver”. Foi depois do diagnóstico de autismo dele que passei a ver valor nas pequenas coisas, a comemorar cada nova palavrinha, cada pequeno progresso. Foi através do olhar dele que descobri a beleza que se esconde por trás das coisas do cotidiano, como as folhas que caem das árvores ou o vento que assobia pelas frestas da janela.
 
E, o mais importante de tudo: aprendi com ele a reclamar menos e a ser mais grata. Meu filho é lindo, inteligente e saudável. Tenho um marido amoroso e incrivelmente parceiro. Tenho a cachorra mais linda e “figura” do mundo. Tenho percebido que a chave para ser mais feliz é apreciar diariamente o que a gente tem, e não o que gostaria de ter. E sou grata por tudo: da minha cachorra “figura” ao meu sofá manchado. Eles são MEUS.
 
Não sou vítima do destino por ter tido um filho com uma deficiência que é o autismo. Como disse a senhora do vídeo que me marcou, nada “deu errado”. Claro que tive que readequar alguns sonhos e expectativas, mas quem não teve? Entre desvios de rota e surpresas, ainda vejo uma vida que vale muito a pena ser vivida.
 
Então, ao invés de reclamar de 2017, vou preferir ser grata por tudo o que conquistei. 2018 não vai ser melhor se eu tiver menos problemas, mas se eu aprender a focar ainda mais no que deu certo, no que encanta, no que enche os olhos, no que tem real valor.
 
Que em 2018, consigamos viver mais ao invés de sobreviver!
 
Andrea Werner*
Andréa Werner é jornalista, escritora e palestrante. Após o diagnóstico de seu filho Theo, aos 2 anos de idade, com autismo, iniciou o blogLagarta Vira Pupa, que rapidamente se tornou referência para pais, profissionais da área da saúde e educação, e pessoas interessadas em uma sociedade mais inclusiva.