Texto da Equipe de Coordenação das Blogueiras Feministas.

O assédio nas ruas ou no transporte público costuma ser um tema que aproxima as diferentes mulheres por ser extremamente corriqueiro e estar presente em todas as classes sociais. Muitas mulheres estão condicionadas a usarem determinada roupa ou a evitarem passar por determinados lugares tentando fugir dessa abordagem violenta. Mesmo com a propagação da ideia de que muitas mulheres adoram ouvir um assobio na rua, a maioria delas sabe apontar diferenças entre uma aproximação e uma violência verbal. E, nenhuma delas está livre de ser constrangida por estranhos.

Existe, no senso comum, a falsa ideia de que a pessoa que possui um corpo não-normativo está livre de assédio, abuso e de outras facetas do machismo. Porque não seria uma mulher atraente. Porque as pessoas insistem em acreditar que violência sexual e estupro tem relação apenas com sexo, quando na verdade, são demonstrações de poder. Nenhuma mulher, independente de conformação física e/ou cognitiva, está livre de assédio ou abuso. Mulheres gordas, idosas, negras, trans*, com deficiência, todas estão sujeitas a esse tipo de violência, que pode atingí-las de diferentes formas.

Nesse contexto, a mulher com deficiência muitas vezes é considerada uma “vítima perfeita”, já que é mais vulnerável fisicamente e não raro é desacreditada e ridicularizada ao relatar as violências que sofreu. A mulher com deficiência também é vista como um ser assexuado ou que deve ficar satisfeita com qualquer tipo de aproximação afetiva para não ficar sozinha.

Paralelamente, é bastante comum que pessoas com deficiência sejam retratadas na grande mídia de forma paternalista e estereotipada, de modo que passe para o espectador alguma lição de vida, de superação, algum aprendizado para o consumidor final. Porém não apenas pessoas com deficiência passam por dificuldades. Então, a quem serve a fabricação dessa hierarquização de opressões? E por que devem ser as pessoas com deficiência as portadoras dessa mensagem?

Imagem da campanha "Because who is perfect? Get closer”. A organização Pro Infirmis criou uma série de manequins com base nos corpos de pessoas com algum tipo de deficiência física. Os exemplares foram expostos em vitrines de lojas em Zurique, na Suíça, pra chamar a atenção e conscientizar quem passava para a aceitação de pessoas com deficiências físicas.
Imagem da campanha “Because who is perfect? Get closer”. A organização Pro Infirmis criou uma série de manequins com base nos corpos de pessoas com algum tipo de deficiência física. Os exemplares foram expostos em vitrines de lojas em Zurique, na Suíça, pra chamar a atenção e conscientizar quem passava para a aceitação de pessoas com deficiências físicas.

A resposta pode estar na forma como a sociedade enxerga os corpos não-normativos. A identidade social se define pela semelhança entre seus indivíduos. Ora, as limitações das pessoas com deficiência são, em sua maioria, impostas pela sociedade que as contém. A sociedade é capacitista ao excluir quem é diferente, limitando suas experiências, colocando essas pessoas com corpos não-normativos numa posição de “super-humanos”, enquanto suga suas potencialidades ao não abrir espaços para novas formas de agir, trabalhar, aprender e viver.

Em outra ponta, os corpos não-normativos quando visibilizados costumam ser ridicularizados. É comum as pessoas fingirem ser vesgas, banguelas ou dentuças, inventarem verrugas ou aumentarem extremidades como nariz e orelhas quando querem parecer feias. Há uma grande diferença entre ser “feia” por alguns minutos e ser considerada “feia” por toda uma sociedade que não a vê como uma igual.

Para quem tem um corpo fora do padrão, uma condição física ou psiquica fora do que se convencionou chamar de “normal”, há duas opções: fingir não ser assim ou ser ignorada como indivíduo pela sociedade. Não há estímulo para que pessoas com corpos não-normativos saiam de casa, frequentem locais públicos. Na maioria das vezes não há instrumentos que permitam a mobilidade, mas também há muito preconceito, individualismo e falta de paciência por parte das outras pessoas.

Mesmo estando em locais públicos, as pessoas esperam conviver apenas com seus semelhantes, não há interesse que esses espaços sejam mais inclusivos. Não há preocupação em diversificar socialmente os espaços de convivência. Em sua maioria, a sociedade continua querendo se julgar perfeita e para isso é preciso ignorar e manter longe as pessoas “imperfeitas”.

Portanto, é importante que o feminismo se preocupe em visibilizar e lutar pela autonomia de mulheres com deficiência, mulheres com corpos não-normativos, mulheres que são consideradas “incapazes”. Há questões muito específicas na luta contra o capacitismo, pensar em ações contra a violência que contemplem e respeitem essas mulheres, também é fundamental para expandir a luta por uma sociedade mais justa, igualitária e inclusiva.

Usar como “tática feminista” uma ação que ridiculariza mulheres com corpos não-normativos é jogar o preconceito cotidiano na cara dessas mulheres. Pessoas cujos corpos não tem a aparência ou funcionalidade que se convencionou pensar que teriam. Esses corpos e pessoas são empurradas para fora das normalidades. Essas pessoas são ridicularizadas, desumanizadas, alienadas de suas vontades, caladas de seus desejos e invizibilizadas. Para a maioria das pessoas que não sofrem diariamente com a repulsa alheia, brincar de ser repulsiva pode parecer engraçado e até mesmo astuto. Porém, ao fazer isso estamos apenas reproduzindo um preconceito para escapar de um problema. Estamos apenas oprimindo para salvar nossa própria pele.

Source: Feminismo e capacitismo – Blogueiras Feministas