Nos últimos três meses e meio, depois de mais de seis anos sem sair do Estado de São Paulo, retornei a Goiânia\GO e conheci Fortaleza\CE, viajando de avião. Friso ter ficado todo esse tempo sem sair das proximidades das cidades da região aonde eu vivo no interior paulista, por ter evitado e me escondido de toda e qualquer chance de me afastar da redoma que criei após ficar tetraplégico no dia 21 de abriu de 2011 – questão importante para um texto da coluna Tetraplégicos Unidos. (E sim, quem toma um tiro, sofre uma queda ou um acidente que muda a vida, geralmente faz questão de lembrar a data exata).
 
 
De volta ao tema, o direito de ir e vir, garantido em nossa Carta Magna de 1988 (artigo 5º, XV) e também conferido a todo cidadão pela Declaração dos Direitos Humanos da ONU, assinada em 1948, é, na realidade, um pouco injusto e distante, quando falamos, não apenas das adaptações necessárias para garantir a acessibilidade na prática, nas estruturas e construções, mas primordialmente do treinamento especializado para funcionários e tripulação de companhias aéreas de aeroportos e também de rodoviárias no Brasil.
 
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XV – e livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
 

Quanto aos aeroportos, é claro que seus esforços arquitetônicos em adequar-se às exigências de acessibilidade e inclusão da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), faz toda diferença, com as rampas, os elevadores, banheiros adaptados, vagas de carro e atendimento preferencial aos deficientes e cadeirantes. No entanto, no que diz respeito a funcionários de companhias aéreas e a acessibilidade dentro de aeronaves, principalmente as de vôos comerciais em território nacional, as condições não são agradáveis, apensar de uma certa surpreendente satisfação de passageiros paraplégicos (com mais mobilidade que nós, tetraplégicos, por exemplo): 

– Há tripulantes com pouco treinamento!
 
  • Ao oferecer assistência, é importante perguntar quais são as necessidades da pessoa com deficiência, afinal o check-in é feito duas horas antes, e temos embarque prioritário, embarcando antes de todos os outros passageiros;
  • É necessário ouvir a pessoa que precisa de assistência, afinal, ela sabe mais do que ninguém;
  • É essencial oferecer cinto de segurança para o tronco, assim como qualquer outro acessório ou ferramenta que garanta a segurança do PNAE (Passageiro com Necessidade de Atendimento Especial);
  • É indispensável, na maioria dos casos, a acomodação nos primeiros assentos, o que já é acertado no check-in, por ser o local com mais espaço para as pernas do cadeirante se transferir, ou ser carregado;
 
– Não tem espaço nem banheiro para cadeirante!
 
  • Deixar a cadeira de rodas, seu único modo de locomoção é desagradável e limitante, afinal, a cadeira fica no bagageiro do avião;
  • Por ser apertado o espaço entre as poltronas, além do cadeirante ficar impedido de usar sua cadeira de rodas, também dificulta para aqueles que usam muleta e pessoas obesas, que aliás, deveriam ter assentos especiais;
  • Os banheiros não seguem as medidas mínimas caso um cadeirante precise usá-lo, pois não é possível manobrar nem uma cadeira de rodas manual, muito menos uma motorizada. Além de não haver as barras laterais de apoio na posição necessária;
Ainda que nem todo deficiente físico, especialmente alguns cadeirantes concordem, a triste realidade dos aviões apertados e sem banheiros utilizáveis já é de se esperar. Afinal, nem mesmo os ônibus e outros transportes coletivos municipais e interestaduais atentem as exigências da ABNT, com rampas elevatórias em 100% das frotas, espaço para cadeira de rodas e banheiros adaptados, que é inclusive uma das lutas travadas pela deputada federal e ex-secretária municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo, Mara Gabrilli (PSDB-SP), que é tetraplégica há mais de duas décadas.
 
Rafael e a deputada federal Mara Gabrilli no Lucy Montoro, em maio de 2013
 
Se poucas prefeituras se esforçam para cumprir o que exige o parágrafo 3º do artigo 38 do Decreto Presidencial nº 5.296/2004, que dispõe: “A frota de veículos de transporte coletivo rodoviário e a infra-estrutura dos serviços deste transporte deverão estar totalmente acessíveis no prazo máximo de cento e vinte meses (10 anos) a contar da data de publicação deste Decreto.”, imagine então o governo federal, em relação às gigantes companhias aéreas.
 
Ê claro e óbvio, aliás, seria ridículo se eu tivesse a pretensão de fazer uma crítica generalizada a todo transporte aéreo tendo feito apenas duas viagens como PNAE, entre maio e agosto deste ano, com a mesma companhia aérea – que inclusive é a mais criticada pelos paraplégicos e tetraplégicos, pelo mau atendimento, falta de feeling, de percepção e de noção de seus funcionários e tripulantes – e nem cabe a mim, aqui, revelá-la. Não, não quero, nem posso e não vou, mesmo encontrando mais reclamações, críticas e sugestões, do que elogios aos seus serviços, especialmente por causa dos espaços internos e dos banheiros das aeronaves, em sites, redes sociais e grupos de Whatsapp.




Há, de qualquer maneira, como bem sabemos, em todo âmbito social, de serviços públicos, em infraestruturas e outros, muito a ser melhorado. Principalmente no que diz respeito ao treinamento de funcionários, ainda que seja prestada toda assistência desde a entrada no aeroporto, no check-in, embarque e desembarque, como o ambulifit (veículo adaptado com plataforma elevatória, para efetuar o embarque e desembarque de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida), por exemplo. Talvez também por isso, sobre acessibilidade, a Infraero – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária esclarece através das perguntas frequentes sobre o tema, em seu site, as obrigações dos aeroportos de sua rede.

Encerrando essa ideia sobre o direito de ir e vir com liberdade e segurança, sendo, portanto, obrigação de cada companhia aérea, o atendimento prestado por sua tripulação durante os voos, a necessidade de um bom treinamento especializado é indispensável. Justamente por desconhecer as especificidades e necessidades de cada cliente com alguma deficiência, o tripulante responsável pelo embarque e acomodação dos passageiros precisa estar disposto a ajudar, por exemplo, um tetraplégico com pouca mobilidade, seja oferecendo auxílio, informando previamente as opções que ele tem e, por fim, perguntando e ouvindo aquele que a Infraero rotula como PNAE, afinal, cada deficiente físico sabe de suas limitações e “necessidades especiais”.
 
Levando ainda em consideração, o fato de que 25% da população brasileira (e a quantidade não muda o peso da obrigatoriedade) possui algum tipo de deficiência, além de investir para garantir informações em Braille, por exemplo, ou Áudios, e os indispensáveis Elevadores, é necessário que as aeronaves disponibilizem banheiros acessíveis, espaço entre os assentos, cinto de três pontos para aqueles que não possuem controle de tronco, assentos especiais para pessoas com obesidade e treinamento da tripulação, responsável por atender todos os passageiros com igualdade e excelência, e por oferecer as possibilidades de acesso, independente das necessidades de cada um, mas que garantam bem-estar, o conforto e, principalmente, a segurança, que é direito de todos.
 
(Via Rafael Ferraz Carpi de Andrade Lima, jornalista e autor da coluna Tetraplégicos Unidos)

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Fonte: Tensão de avião! – COMUNICA TUDO