Esqueça as histórias de superação com plano início, meio e fim. A trajetória esportiva de Roberto Pino, de 40 anos, é afeita a caminhos tortos. Na realidade, é sim uma retomada tardia, a partir do amor pelo surfe. Pino é anão, mas a condição genética com poder de reduzir as dimensões do corpo aumentou possibilidades. Fácil não foi. A vergonha de ser apontado na rua o anulou por anos. Só via graça no mundo quando a direção apontava para o mar. Tempos outros. Com preconceitos bem mais aflorados. Até a época da libertação, ali por volta dos 14 anos, quando decidiu encarar tudo e todos de frente. A coragem na adolescência é o ponto de partida para Pino, no presente, sonhar com outras águas. Outros patamares. Com sucesso dos últimos cinco anos – principalmente nos vídeos de ação publicados na Internet -, quer crescer e aparecer, romper fronteiras. A temporada havaiana, iniciada em novembro, é o novo ponto de partida dele. Quem duvida? (Vídeo acima: Marcos Paulo)
 
(Foto: Paulo Velloso)
Roberto Pino Surfe
 
Pino impressiona no mar. É fluido, veloz, radical. Não à toa, se alça à condição de melhor surfista anão do mundo – com um monte de opinião a favor fora da água salgada. A fama em Pernambuco obedeceu a desordem cronológica marcante na vida dele. O fator linear do atleta profissional que rompe barreiras de acordo com a idade inexiste. Até 2012, vivia em Alagoas. Trabalhava com turismo e pegava onda quando o trabalho dava o aval. Fez família em Maragogi e, por lá, morou enquanto o dinheiro circulou na região. Com a crise, voltou para Recife. No retorno, o pensamente inicial, e até óbvio, foi se sustentar. Pino abriu um lava-jato. Viver do surfe era algo inimaginável. Até visitar a Praia de Itapoama, no Cabo De Santo Agostinho, para aquela caída nas folgas. Uma conversa iria virar tudo de ponta cabeça.
 
Um amigo de Itapoama, Renê, me viu surfando uma vez e me perguntou por que eu não competia, na categoria master. Acho que só entrei numa bateria uma vez, aos 10 anos. Meus irmãos Alexandre e Nabuco me ensinaram a pegar onda. Mas, naquele momento, não tinha o surfe como meta principal, ao contrário. Como poderia competir? Era um convite que não poderia aceitar. A princípio, não cogitei. Não sabia nem se tinha surfe para aquilo.
 
(Foto: Arquivo Pessoal)
Roberto Pino surfe vaquejada
 
Passado o momento de aceitação, Pino meteu-se em tudo que o mundo propôs. A deficiência transformou-se num trampolim para mostrar, para ele mesmo, a capacidade extra de encarar desafios. Os dias como “bate-esteira” de vaquejada foram levados em consideração na hora de disputar o campeonato proposto por Renê. Nas arenas do interior, além de guiar e dar o rabo boi para a dupla derrubá-lo, forjou um estilo agressivo. Ao ponto de ele próprio por abaixo o animal vez por outra. Para muitos, impensável. Até pelo tamanho. Num cavalo de menor porte, número certo dele, deslanchou. As vezes que se machucou na prática do chamado “esporte nordestino” e deu a volta por cima motivaram encarar uma jornada nova – agora no mar.
 
Na competição, perdeu de cara. Deu de ombros no momento. Em casa, à noite, passou a imaginar como seria se tivesse passado de fase. Os dois eventos seguintes dissiparam as dúvidas. Com um quinto lugar e um título, Pino foi picado de vez pela mosca astral do surfe. Um caminho, ele ressalta, sem volta.
 
(Foto: Regi Galvão)
Roberto Pino surfe Fernando de Noronha
 
A partir de 2014 comecei a treinar todos os dias. E me envolvi muito com o surfe. Participei de uma competição que me colocou frente a frente com Carlos Burle, um ídolo meu. Com Fábio Gouveia. Essas coisas acontecem nas nossas vidas para marcar. Passei a treinar sempre. Deixava alguém no lava-jato e corria para a praia. Isso me fez evoluir.
 
Os dois últimos anos foram de altos e baixos financeiros, a força do surfe arrefeceu. Até os vídeos de ação de Pino tomarem uma proporção interessante na internet. Chegou na “gringa”, como os surfistas apelidaram o estrangeiro. Na Austrália, os donos de uma marca de roupas entraram em contato para patrociná-lo. Com outros apoios e até uma empresária a tiracolo, o fator internacional motivou o pernambucano a buscar ondas mais perfeitas. E maiores. Quer viver o sonho havaiano. Conviver com a tradição do lugar, curtir a vibe com os locais.
 
(Foto: Paulo Velloso)
Roberto Pino Surfe
 
Só penso nisso. É um projeto que me deixa muito ansioso. A minha empresária de vez em quando liga para mim para me falar de coisas boas. Peço até que junte tudo para falar de vez, porque fico muito ansioso. O projeto existe. Não falo nem de pagar as maiores ondas, mas surfar ondas perfeitas. Qual surfista não pensa em viver aquilo tudo, aquela tradição de lá?.
 
Ao olhar para trás – os últimos 30 anos -, Pino sente uma responsabilidade maior que surfar. Quer dar exemplo. Ensinar quem queira se encontrar e ultrapassar os limites estabelecidos movem o atleta. Até para combater preconceito, que esbarra nele de vez em quando. Ainda que em poucas oportunidades, sente a maledicência de alguns. Deixa para lá. Vive como quer e não se deixa abater.
 
                 (Foto: Arquivo Pessoal)
                   Roberto Pino e família
 
Para além das dificuldades, natural Pino envolver os filhos na própria empreitada. Otávio e Lara, desde pequeninos, são vistos com o pai. Seja na praia, seja no mar. Lado a lado. Desde sempre, a vontade de repassar conhecimento para outros inicia dentro de casa. O orgulho é expressado no olhar de Pino direcionado aos pupilos. Com Eriane, a esposa, fica a responsabilidade de técnica e de torcedora do sucesso da família.
 
Os sonhos estão aí para serem vividos. Mesmo com as deficiências. Hoje, do mesmo jeito que procuro ensinar as pessoas ao meu redor, passo tudo que posso para meus filhos. Realizo um sonho com eles. Dentro e fora da água, com o intuito de caminharem para o lado certo da vida.
 

Fonte: APNEN NOVA ODESSA: O reverso das histórias lineares do surfe: conheça Roberto Pino – Veja o vídeo