Quantos blogs você segue? Apostamos que muitos, né? Hoje, os blogs estão bombando mais do que nunca! Conforme o texto Como se tornar uma blogueira de sucesso “o mundo dos blogs é muito vasto e democrático […] não existe idade, cor ou sexo: todo mundo bloga e bloga muito! Embora ainda seja um mundo predominantemente  dominado pelos homens, temos percebido que as mulheres têm se saído muito bem na blogosfera brasileira […]”

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E uma dessas mulheres que anda blogando muito é a Fatine Oliveira. Ela é publicitária, feminista, cadeirante e autora  de um  blog e de um canal do Youtube chamado Disbuga. Ela após observar que “a grande maioria dos ensaios sensuais, das convidadas aos programas de televisão e revistas são compostas por mulheres que possuem um corpo sem atrofias, sem evidências físicas da deficiência” criou o conceito do “privilégio da semelhança”. Curiosos para saberem mais sobre o blog? Quer saber como é ser uma publicitária sobre rodas? Essas e outras perguntas fiz a ela.

1- Quem é Fatine Oliveira?

Meu terapeuta pergunta isso e sempre fico em dúvida na hora de responder. Já mudei tanto nos últimos dias, meses e anos que às vezes não me reconheço, rsrs. Mas vamos lá, resumindo sou uma mulher independente, criativa, com um senso de humor único e uma boa amiga. Me considero uma pessoa esforçada, daquelas que seguem seus objetivos e busca tirar um ensinamento de tudo que vive.

2-Qual a sua deficiência? E como você, seus pais, familiares e amigos entenderam, essa condição humana?

Eu tenho uma doença congênita chamada distrofia muscular forma cinturas que se manifestou desde criança. Apesar dos cuidados que a deficiência exigia, minha família me acolheu sem distinção, meus pais criaram todos os filhos (somos 3) com o mesmo carinho. Isso foi importante para minha formação moral, pois não me via diferente deles quando era criança. Minha mãe me criou para ser uma mulher forte e meu pai me ensinou o valor da informação e da política. Minha relação com meus irmãos é positiva e, apesar das brigas normais, nos damos muito bem.

3-Como foi sua infância e adolescência?

Minha infância foi boa, tinha umas amiguinhas de rua e brincávamos de boneca na minha casa. Eu costumava passar alguns dias na casa da minha tia também e lá saía muito com meus primos. Foi muito bom, pois ali aprendi que limites só existem quando não estamos dispostos a ter o outro com a gente. Minha tia me ensinou a ser uma pessoa forte e não deixar abalar pelo preconceito dos outros. Infelizmente, na adolescência eu tive depressão, pois acreditava que não viveria tempo suficiente para realizar meus sonhos. Além disso, via minhas amigas desenvolverem fisicamente e eu não. Aquilo mexeu demais com minha autoestima, sabe? Foram longos anos com muito sofrimento…

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4-Fale um pouco de como foi sua vida escolar e acadêmica. E por que você escolheu a Publicidade?

Sou o que muitos consideram nerd, rsrs. Sempre tive prazer em aprender coisas novas, gosto de ler e escrever.

Estudei em escola particular no ensino fundamental e pública no ensino médio, experiência que me deu uma boa visão da discrepância do ensino nessas instituições. Na época não era comum terem alunos com deficiência nas escolas, por isso eu era a única cadeirante. Minhas amigas me ajudavam a locomover com a cadeira e ir ao banheiro, meus professores me tratavam sem diferença também. Aliás, muitos me respeitavam e entendiam minhas limitações físicas. No ensino médio tive meu primeiro contato com preconceito descarado. A diretora da escola não queria permitir que eu estudasse por causa da deficiência, porém meu pai não aceitou aquilo e recorreu a secretaria de educação que prontamente obrigou a conclusão da matrícula. Como resposta fui uma das melhores alunas da escola, tirando as maiores notas.

A escolha pela publicidade se deu por volta da 6ª série, pois uma professora de geografia nos estimulava a fazer grandes trabalhos sobre os países. Fazíamos peças de teatro, cartazes ilustrados e tudo mais. Eu costumava ter as melhores ideias do grupo e ali percebi o quanto era criativa. Na época, o cinema (área que sempre gostei bastante) não “dava dinheiro”, portanto fui para a segunda opção mais viável. Não me arrependo desta escolha porque hoje trabalho com muito amor pelo que faço.

Consegui entrar na faculdade pelo PROUNI, como bolsa integral. Foi a realização de um sonho. Era MUITO esforçada, dedicada ao curso e fiz amizade com os professores. A coordenadora do curso me ajudou bastante quando precisei de adaptações em salas de aula, brigando na instituição quando os elevadores não funcionavam. Meus colegas de sala me respeitavam muito, não tendo problema algum por preconceito. Até hoje mantenho amizade com meu grupo de trabalho que unidos conseguimos bons resultados e uma premiação na colação como melhor projeto acadêmico.

5-Como é ser publicitária sobre rodas no Brasil?

Infelizmente, o mercado não é adaptado a pessoa com deficiência e esta é uma realidade que ultrapassa a área de atuação. Tive muitas dificuldades para conseguir um estágio na área, porém ao formar consegui entrar em uma agência com mais condições para trabalhar. Nela fiz contatos e hoje trabalho como freelancer. A maioria dos meus clientes não sabem da minha condição de cadeirante e eu até prefiro assim. Sou “julgada” pela minha competência e não por atributos físicos.    

6- Como surgiu a ideia do blog e do canal do Youtube chamado Disbuga? E por que esse nome?

O Disbuga começou como canal no Youtube. Queria um nome universal, algo que conseguisse englobar todos os tipos de deficiência, mas que não levasse nenhuma referência do termo “deficiente” no nome. Foi onde pensei em BUG, muito usado quando encontramos um erro na rede ou no computador. No caso, BUG representaria o preconceito das pessoas, oriundo da falta de informação na maioria dos casos, e DISBUGAR seria retirar este preconceito por meio de explicações sobre a área. A ideia de fazer um canal veio depois de acompanhar os vídeos da JoutJout e notei que não havia nada parecido para nós. Como gosto de escrever, fiz o blog para aprofundar em assuntos que não dava para falar no canal.

7- No texto Feminismo sobre rodas, você fala como conheceu o(s) feminismo(s).Na sua opinião, por que ainda hoje existe uma visão errada sobre o(s) feminismo(s)?

Acredito que seja por falta de interesse das pessoas em se informar. Estão mais preocupadas em buscar exemplos negativos dentro do movimento, do que observar conquistas importantes para a mulher. As pessoas pensam que feminismo é não depilar o braço ou fazer abortos de forma irresponsável, porém se recusam a ver a quantidade de mulheres que sofrem com violência doméstica ou de homens que matam ex companheiras. Feminismo não é sobre domínio feminino, mas sobre liberdade. Sobre igualdade de direitos.

8- E por que ainda há um silenciamento das mulheres com deficiência, presidiárias, ciganas, indígenas dentro dos feminismos?

Eu entendo o feminismo como um movimento de ruptura cultural, ou seja um esforço um mudar um comportamento considerado como normal/natural pela sociedade. No caso, inicialmente buscou uma igualdade de direitos entre os gêneros. Porém, compreende-se que ser mulher não é um conceito uniforme, pois existem diversas realidades diferentes que cada uma experimenta em função de condição social, física, racial e etc. Por esse motivo, criaram o feminismo interseccional para abraçar estas diferenças e lutar pelas questões próprias de cada uma. O lugar de fala surge para que cada grupo apresente com detalhes suas necessidades, afim de que sejam somadas ao movimento.  Cabe ao movimento apresentarem informações para estes grupos terem condições de se representar. Conheço poucas mulheres com deficiência que são feministas, por exemplo, mas faço diversas postagens no blog para que elas tenham conhecimento sobre o movimento e possam fazer parte dele também.  

9-Explique melhor sobre a ideia do “privilégio da semelhança”, que você apresenta no mesmo texto.E como essa ideia vem sendo vista por outras mulheres com deficiência?

O privilégio da semelhança é um conceito que eu elaborei a partir da observação de imagens de mulheres com deficiência na internet e grandes meios. A grande maioria dos ensaios sensuais, das convidadas aos programas de televisão e revistas são compostas por mulheres que possuem um corpo sem atrofias, sem evidências físicas da deficiência. Aparece quem mais se assemelha ao padrão social. Quem pode se passar por andante. A maioria das mulheres que leram o texto se identificaram muito com ele e concordam com a teoria. Muitas já o citaram em seus textos e começaram a buscar referências de mulheres menos “padronizadas”.

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10-Como feminista e mulher com deficiência como você vê a reabertura da discussão do aborto nos casos de microcefalia?

Inicialmente fiquei um pouco sensível a este assunto quando iniciaram os casos de microcefalia, porém hoje mantenho minha posição e sou a favor do aborto seja qual for o motivo. Cobramos uma responsabilidade muito grande para a mulher em casos de gravidez e ignoramos a presença dos pais na formação da criança. Existem inúmeros casos onde a mãe foi abandonada pelo marido quando este observou a deficiência no filho e seguiu sua vida tranquilamente. A maioria deles a mulher possui baixa renda e depende de saúde pública para cuidar do filho, sem contar da carga emocional de enfrentar o julgamento social em ter sido largada pelo marido. São tantos meandros que envolvem uma gravidez e todos eles recaem exclusivamente sobre a mulher. Isso não é justo.

11-Que mensagem você deixa para os leitores desse blog?  

Se você for uma mulher com deficiência gostaria que soubesse o quão maravilhosa você é. Sim, cada curva do seu corpo é perfeito e você pode ser o que quiser. Se ame, se valorize tanto quanto puder. Não lamente o abandono ou a solidão, valorize seus amigos e sua família, pois estes ficarão ao seu lado quando precisar. A cadeira não te limita, mas a mente sim. Por isso, mantenha a mente sempre aberta.

E aí? Gostaram do post?E  que tal vocês verem o vídeo da Fatine, no qual ela traz algumas opções de renda para cadeirantes que não podem trabalhar fora, ou que estão desempregados?Então, clique aqui e confira lá na página do blog.E não esqueçam de me seguirem no Facebook// Instagram// Twitter .