Por Vítor Cavalcanti

Giovanni José D’Angelo tem hoje 26 anos. Ele acaba de se formar em Publicidade. A vida deste jovem foi marcada pela luta contra as limitações de uma paralisia cerebral que o vitimou quando tinha apenas sete meses e meio de vida. As seqüelas deixadas pela doença foram as restrições nos movimentos dos membros (perna e braço) do lado esquerdo do corpo. Casos como o de Giovanni são comuns. A estimativa é de cerca de 26 mil novos casos de paralisia, por ano, no Brasil. Dados do Departamento de Neurologia Infantil da Universidade de São Paulo (USP) apontam para uma incidência de sete casos a cada mil nascimentos.

Inicialmente, a criança com paralisia cerebral tem dificuldades para adquirir posturas, como firmar a cabeça e sentar-se sozinha. Na maioria dos casos, o quadro evolui a espasticidade muscular – uma rigidez excessiva do músculo. A criança fica impossibilitada de esticar e relaxar a musculatura. Além disso, surgem problemas para a realização de movimentos, impedindo atos simples como sentar e escovar os dentes.

A doença não tem cura. O tratamento alia o uso de medicamentos à terapia de reabilitação, que envolve equipe multidisciplinar, com grande destaque para o trabalho de fisioterapia. Nessa gama de opções, a toxina botulínica do tipo A (sendo o nome comercial mais conhecido Botox) tem se mostrado bastante eficaz e já é usada com sucesso há alguns anos no Brasil.

A popularização da substância no País aconteceu em decorrência de seu uso estético, contudo a toxina tem inúmeras indicações terapêuticas. O uso em crianças com paralisia cerebral é uma grande esperança de pais que desejam mais qualidade de vida para os seus filhos.

A aplicação é feita através de injeção diretamente no músculo afetado, o que garante efeito mais localizado e reduz a incidência de efeitos colaterais, como ocorre no uso de medicamentos orais. “Em alguns casos pode ocorrer fraqueza no local da aplicação, mas é um efeito transitório”, explica Delson José, coordenador do Centro de Referência em Desordens do Movimento da Universidade Federal de Goiás e membro da Academia Brasileira de Neurologia. “Por ser uma toxina, existe a possibilidade de formar anticorpos e ter alguma reação. Mas os casos são raros”, avisa Alice Rosa Ramos, coordenadora de Reabilitação Infantil da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD).

Embora não recente, Giovanni conheceu o tratamento com a toxina há pouco mais de um ano. Durante sua adolescência, ele passou por cirurgias como a do tendão e do fêmur. Elas são necessárias para que a pessoa possa manter o movimento dos membros, por exemplo, ou mesmo para não ter problemas com a postura. A última foi feita pelo publicitário recém formado em 1992. Esses procedimentos são bastante eficazes, mas a medida que a criança se desenvolve, novas intervenções podem ser necessárias.

No caso do Giovanni, as dificuldades voltaram a aparecer no início de 2005. Ele começou a sentir fraqueza e dificuldade para andar com passos mais rápidos e decidiu procurar um médico. “Após analisar meu caso, ele indicou que eu fizesse aplicações da toxina para que meu pé voltasse a pisar direito (o pé de Giovanni estava meio torto)”, afirma. O jovem resolveu seguir o conselho do médico e buscou a nova terapia. “O efeito é gradativo. A substância transforma o músculo em elástico, e ele amolece”, conta.

A toxina age relaxando a musculatura o que, dependendo do caso, aliado a um programa de reabilitação, proporciona uma boa movimentação. Esse “relaxamento” acontece porque o medicamento inibe a liberação de um neurotransmissor das células nervosas, a acetilcolina, que emite os sinais que provocam as contrações musculares involuntárias. “O potencial desse tratamento é muito grande, mas a oferta do produto ainda é pequena, nem todos têm condições de bancar os custos”, conta Susan Hsin, pós-graduanda (em nível de doutorado) em Neurologia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “É importante frisar que o uso da toxina não traz benefício algum se não vier acompanhada de um programa de reabilitação”, informa Alice.

O número de aplicações varia conforme o quadro da criança. O profissional responsável faz uma avaliação, analisando o tipo de paralisia, quais são as lesões e as dificuldades e, a partir dessas informações, monta-se um plano de tratamento que indicará a quantidade de toxina necessária. “A dosagem a ser usada é calculada com base no peso do paciente”, informa Susan.

Giovanni se submeteu as aplicações em uma única sessão. Ele recebeu a toxina no músculo do pé, ombro, peitoral e mão. “Minha mão estava meio fechada e eu não conseguia pegar um objeto diretamente com a esquerda. Precisava trazê-lo com a direita e passar para a esquerda”, explica. O jovem relata que não houve qualquer incômodo durante o procedimento e nem efeitos colaterais após deixar a clínica.

Em média, cada frasco da substância custa R$ 1 mil. Em alguns casos são necessários quatro. Embora o custo seja alto, o resultado é rápido. Uma semana após a aplicação a criança começa a sentir os benefícios do efeito da toxina. “Sem dúvida esse tratamento foi um avanço. Antes da toxina, essas crianças eram submetidas a cirurgias ortopédicas que hoje são dispensáveis”, informa Egberto Reis Barbosa, neurologista da Divisão Clínica de Neurologia do Hospital das Clínicas de São Paulo. O Sistema Único de Saúde (SUS) cobre o tratamento, mas a quantidade do medicamento não tem sido suficiente para cobrir a demanda.

RESULTADO TEMPORÁRIO

A qualidade de vida pode ser melhorada na maioria dos casos. Por exemplo, há situações em que a criança não tem o movimento de abrir e fechar as pernas. Ao aplicar a toxina no músculo responsável por este movimento, há um relaxamento da musculatura normalizando o funcionamento dos membros inferiores, permitindo assim a higienização adequada na região genital. O mesmo processo vale para os pacientes que, como seqüela da paralisia, têm as mãos fechadas. Apesar dessas melhoras, os médicos ressaltam que o efeito do medicamento é temporário, podendo variar de 4 a 6 meses, dependendo do paciente.

Outro benefício que a aplicação da toxina botulínica do tipo A pode trazer, para essas crianças, é a postergação da cirurgia do tendão. “Às vezes, o tendão tem uma retração muito grande e o remédio consegue relaxar esse músculo de forma a postergar uma cirurgia”, lembra Delson José. Esse adiamento só traz ganhos para a criança. Dependendo da fase da vida em que é feita a cirurgia do tendão, pode ser necessário um novo procedimento após o corpo atingir seu desenvolvimento máximo. Assim, utilizando a toxina, essa situação pode ser evitada. Quando o caso é mais simples, o ato cirúrgico pode até ser descartado. “É bom lembrar que o medicamento também é usado para amenizar dores nesses pacientes”, explica Susan.

ESPERANÇA

Quando o tratamento foi apresentado no Brasil, as expectativas de a criança com paralisa voltar a andar aumentaram. Mas este é ainda um salto muito grande que, nem sempre, pode ser dado. “Existe um conjunto de medidas por trás, um projeto de reabilitação. Não podemos prometer que a criança vai voltar a andar”, esclarece Delson José. “O medicamento não faz milagre. Se o caso for muito grave, dificilmente o paciente volta a andar. Mas o tratamento vai facilitar a vida”, conclui Susan.

O quadro do Giovanni não é dos mais graves. Mesmo antes da toxina ele conseguia andar graças às cirurgias. Mas ele conta que todas as dificuldades que encontrou no início do ano passado, como fraqueza e problemas para acelerar o passo, foram superadas. O jovem recebeu as aplicações em agosto do ano passado. Dez dias após a aplicação, iniciou sessões de fisioterapia e desde então tem obtido boa evolução. “Ando com mais tranqüilidade, dou passos acelerados e não preciso de ajuda quando tem obstáculos como degraus pelo caminho”, comemora.

O tratamento e os objetivos esperados são diferentes para cada paciente. De acordo com os especialistas, toda pessoa terá algum benefício com a terapia, mas alertam, no entanto, que é proporcional à precocidade do tratamento. “Cada caso é um caso. Quanto mais cedo iniciar a terapia, melhores serão os resultados’, afirma Delson. Segundo ele, uma retração sem tratamento pode gerar artrose. “Não é o procedimento que traz resultados espetaculares. Mas ele pode permitir, por exemplo, que uma criança que ande com o uso de apoio (muleta) possa andar sozinha”, afirma Barbosa. “O mais importante é o resultado obtido. Trabalha o alongamento da musculatura, fortalecendo o local. Mesmo com o fim do efeito do medicamento, parte da reabilitação é mantida”, atesta Alice.

Ansioso pelos resultados, Giovanni fala animado de sua próxima avaliação que acontecerá no mês de junho. A partir dessa consulta, ele saberá se novas aplicações serão feitas. “Meu organismo reagiu bem à toxina. Foi muito bom para mim. Na clínica onde faço fisioterapia, muitas crianças com quadros mais graves que o meu também estão se beneficiando” conclui.

USO DA TOXINA É AMPLO

A toxina botulínica do tipo A começou a ser usada na década de 80 com fins terapêuticos. Os primeiros testes foram na área oftalmológica. O uso estético para correção de rugas, especialmente ao redor dos olhos, surgiu a partir dessas experiências. Pessoas que sofrem de distonia, bruxismo e até com problemas de salivação encontram nesse tratamento uma forma de aliviar a situação e ter mais qualidade de vida no convívio com a doença.

Nos Estados Unidos, o Botox (toxina botulínica do tipo A) recebeu a primeira aprovação do Food and Drug Administration (FDA) – órgão norte-americano que regula alimentos e medicamentos – em 1989, para o tratamento de estrabismo e blefaroespasmo, e desde então seguiram-se novas aprovações.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), autoriza o uso da toxina desde 1992 para os seguintes tratamentos: espasticidade, paralisia cerebral, distonia, blefaroespasmo, espasmo hemifacial e estrabismo.

AS DOENÇAS – DEFINIÇÕES

ESPASTICIDADE – Contração muscular permanente que pode levar ao encurtamento de músculos e tendões, deixando o paciente com uma postura anormal e dolorosa. Em crianças, a causa costuma ser a paralisia cerebral e, em adultos, derrames, traumatismo craniano, esclerose múltipla, entre outras doenças.

PARALISIA CEREBRAL – Lesão em uma ou mais áreas do cérebro. O início da doença acontece normalmente antes do nascimento da criança. Se caracteriza por um conjunto de alterações neurológicas que podem afetar o movimento do corpo e a força dos músculos. Os sintomas variam, podendo ir de espasticidade até prejuízos à fala, visão e audição.

DISTONIA – Contração involuntária de músculos em diferentes partes do corpo. Tem incidência estimada de dois casos a cada um milhão de habitantes, mas o índice pode ser maior, em função da precariedade no diagnóstico.

BLEFAROESPASMO – Tipo de distonia focal que causa contração involuntária no músculo orbicular (responsável pelo fechamento dos olhos). Os sintomas surgem geralmente após os 50 anos e a incidência maior é em mulheres. A pessoa que sofre da doença pisca ambos os olhos de maneira descontrolada devido a uma pressão no músculo citado. É uma doença progressiva que tem como sintomas iniciais rejeição à luminosidade e à poeira.

ESPASMO HEMIFACIAL – Hiperatividade involuntária dos músculos da face. O aparecimento pode não ter nenhuma causa aparente ou estar ligado a uma compressão do nervo facial. O lado esquerdo é o mais afetado, devido à posição dos nervos e vasos sangüíneos. É uma doença bastante comum que, normalmente, se manifesta na fase adulta.

ESTRABISMO – Caracterizada pela posição anormal do olho. O desalinhamento dos olhos ocorre devido a incapacidade dos músculos que atuam sobre o globo ocular de trabalharem na mesma sintonia. O mal pode atingir até 4% da população mundial. O seu aparecimento pode estar relacionado a uma outra doença, a distúrbios neurológicos ou por traumatismo cerebral.

Fonte: Agência Estado

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