Ao lado de outros senadores e da deputada Mara Gabrilli, Romário (C) aplaude a aprovação do projeto do qual ele foi o relator

Os mais novos podem nem lembrar, mas há bem pouco tempo os brasileiros falavam das pessoas com deficiência usando termos como aleijado, retardado, tortinho, mongoloide. Não havia vagas reservadas nos estacionamentos, muito menos política de cotas. As mudanças no comportamento da sociedade aconteceram aos poucos. E na última quarta-feira o Senado deu um passo decisivo para assegurar mais respeito a cerca de 45,6 milhões de brasileiros que declararam, em 2010, ter alguma deficiência.

SCD 4/2015 é o número oficial da proposta que institui a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência. O texto, aprovado pelo Plenário, ganhou o apelido de Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Os estatutos, segundo o dicionário Michaelis, são regulamentos de um Estado, associação ou qualquer corpo coletivo em geral. Assim é o projeto que os senadores acolheram. Assegura direitos e determina os deveres do poder público e da sociedade na proteção aos deficientes nas mais diversas áreas.

O autor, Paulo Paim (PT-RS), esclareceu que o conjunto de normas não serve apenas para garantir às pessoas com deficiência a universalidade nos serviços públicos, mas é um instrumento para coibir o preconceito.

Segundo o senador, a discriminação aos deficientes é ainda maior do que a sofrida pelos negros. Ao ressaltar os benefícios da proposta, ele citou uma irmã cega, já falecida:

— Só quero dizer, minha querida Marlene e meus dez irmãos, que, se há uma proposta, entre as mil que apresentei, da qual tenho o maior orgulho é a do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que é a lei nacional da pessoa com deficiência. Por isso, palmas à democracia. Palmas aos 47 milhões de pessoas com deficiência e a seus familiares.

Ainda mais emocionado, o relator do projeto, Romário (PSB-RJ), disse que a aprovação no Senado não é apenas especial para ele, que é pai de Ivy, uma menina de 10 anos com síndrome de Down, mas para as milhões de pessoas com deficiência, além das famílias delas.

— Há aqui um daqueles casos em que a atuação dos parlamentares pode assumir papel decisivo na mudança do país, corrigindo uma injustiça histórica e resgatando a dignidade de um importante segmento da nossa população. A luta pela inclusão das pessoas com deficiência enfrenta toda uma história de incompreensão e preconceito — ressaltou.

O primeiro dos mais de 100 artigos do estatuto deixa claro que a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência vem para “assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais pela pessoa com deficiência, visando a sua inclusão social e cidadania”.

A pessoa com deficiência é definida como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, dificuldades que atrapalham a participação plena e efetiva na sociedade em iguais condições com as demais pessoas. A proposta aprovada pelo Senado seguiu para a sanção da presidente Dilma Rousseff.

Para Paim, demora na aprovação reflete o preconceito

O ano era 2003 e Paulo Paim iniciava o primeiro mandato no Senado quando apresentou um projeto que criava o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Quase 12 anos depois, a proposta foi aprovada e seguiu para a sanção presidencial. Para ele, a demora é mais um reflexo do preconceito que vitima as pessoas com deficiência, mas o senador está otimista quanto ao cumprimento das novas regras que podem virar lei.

Esse projeto foi inicialmente apresentado em 2003. Por que levou tanto tempo para a aprovação final do texto?

Isso aconteceu justamente porque ainda existe muita resistência da sociedade. Muitos achavam e ainda acham que bastavam leis pontuais. O Estatuto da Pessoa com Deficiência traz o que há de melhor na legislação nacional e internacional. A demora é o reflexo do preconceito em assegurar direitos a essas pessoas.

O estatuto é bastante abrangente e detalhado. O senhor acha que vai demorar muito para as regras, se virarem lei, serem totalmente respeitadas?

Eu sou daqueles que usam aquela frase do Geraldo Vandré: ‘Quem sabe faz a hora, não espera acontecer’. Quando aprovamos Estatuto do Idoso, por exemplo, também me diziam que não era a hora. É lei e está funcionando. Quando eu defendia o salário mínimo de US$ 100 também achavam impossível e hoje é quase US$ 300. O Estatuto da Pessoa com Deficiência é a mesma coisa. A sociedade se adapta, se molda. No fundo, aqueles que agem com a alma e com o coração sabem que essa é uma grande oportunidade para as pessoas com deficiência serem mais respeitadas. Além disso, a população passará a ser mais solidária e a oferecer mais oportunidades. As pessoas com deficiência não precisam de favores ou pena, mas de oportunidades para apresentarem seu potencial produtivo.

No caso de sanção do projeto, o que muda na vida das pessoas com deficiência?

Muda tudo. A lei é muito abrangente. Trata da saúde, da educação, do acesso ao mercado de trabalho, do direito à moradia. As pessoas mais pobres terão direito a uma ajuda do Estado, assim como já acontece com os idosos. É uma lei revolucionária e o Brasil, pela sua grandeza e generosidade, há de ultrapassar os preconceitos e abraçar esses 45 milhões de brasileiros, que, de uma forma ou de outra, serão beneficiados com o projeto.

A nova lei na opinião dos senadores

“ O Brasil vem dando passos importantes na adoção de políticas públicas voltadas para a inclusão das pessoas com deficiência e o Senado sempre foi protagonista na evolução dessa matéria no nosso país.”

Renan Calheiros, presidente do Senado

“ O primeiro ponto é muito importante: a conceituação da deficiência. Essa será, sem dúvida alguma, uma das principais conquistas da legislação. O que era antes erroneamente compreendido como uma questão médica relacionada a uma patologia individual passa a ser reconhecido como uma questão social.”

Lindbergh Farias (PT-RJ)

“ A proposta vai permitir avanços na política de cotas que há quase 20 anos obriga empresas com mais de 100 funcionários a contratarem de 2% a 5% de funcionários com algum tipo de deficiência. O novo estatuto vai ampliar essa política afirmativa, estabelecendo que também as empresas com 50 a 90 empregados reservem pelo menos uma vaga para pessoas deficientes ou reabilitadas.”

Marta Suplicy (sem partido-SP)

“ Quando aprovamos esse projeto, estamos protegendo milhões de brasileiros considerados deficientes: 24% dos brasileiros estão nessa situação e ainda persistem em muitos lugares o descuido, a omissão, o tratamento desigual, o preconceito, a discriminação e a humilhação contra seres humanos que nasceram para ser felizes.”

Antonio Carlos Valadares (PSB-SE)

“ O Brasil demorou para reconhecer, de forma ampla, os direitos da pessoa com deficiência, mas quero aqui dizer da nossa alegria de, finalmente, chegar o momento de o Congresso Nacional concluir a aprovação dessa legislação. Trata-se de uma grande inclusão social tanto do ponto de vista social quanto econômico.”

Fátima Bezerra (PT-RN)

“ Nossa obrigação é cuidar para que esse estatuto seja cumprido e para que seja regulamentado para fazer justiça a seres humanos.”

Omar Aziz (PSD-AM)

“ É uma lei que trabalha a inclusão. É uma lei que trabalha e fortalece o recurso da cota. O que é o recurso da cota? É você buscar a inclusão daqueles que não têm oportunidade. E não há nada mais democrático do que isso.”

Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM)

“ Quero fazer uma homenagem muito especial ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi ele quem implementou a Lei Orgânica da Assistência Social, que, pela primeira vez, pôde fazer com que o deficiente fosse reconhecido pela sociedade brasileira.”

Lúcia Vânia (PSDB-GO)

“ Este texto inclui aquilo que é a identificação da deficiência a uma avaliação psicossocial. É algo que é composto por um grupo multidisciplinar capaz, exatamente, de definir uma avaliação complexa dessas pessoas e capaz de reorientá-las.”

Ronaldo Caiado (DEM-GO)

O que eles querem é a chance de ter sonhos e poder realizar

Quem se mete a besta de ter dó ou preconceito contra a Duda nem sabe o tanto que é bobo. Maria Eduarda Soares de Mendonça é uma moça de 23 anos. Sofre de um tipo grave de nanismo — mede menos que 90 cm e enxerga apenas vultos. Ainda assim, cursa direito em uma universidade de Brasília e recebe inúmeros convites para palestras. O tema é quase sempre o rompimento das barreiras da deficiência. Duda acompanhou a votação do estatuto no Plenário do Senado.

— A gente se esfola desde sempre para manter nossos direitos vivos, para manter a justiça do deficiente viva. E eu acho que é a partir dessa lei que a gente vai ser enxergada. A gente não é resto. A gente merece respeito, consideração. A gente merece a dignidade da pessoa humana.

Junto a Maria Eduarda estava Ari Heck, que compõe o Núcleo de Servidores Deficientes do Judiciário Federal do Rio Grande do Sul. Heck é cadeirante. Para ele, o estatuto é um avanço extraordinário. A expectativa do gaúcho é que as normas possam, efetivamente, assegurar cidadania a essa parcela da sociedade.

— Nós temos as nossas capacidades. Nós temos os nossos desejos. Nós temos os nossos interesses, os nossos sonhos. Isso a sociedade brasileira e a mundial não podem tirar de nós, porque ninguém pediu para ser deficiente. O que nós queremos é que a sociedade nos trate de forma igual, usando mecanismos diferenciados.

O jornalista e escritor Antônio Leitão é cego. Ele ressaltou que o estatuto vai possibilitar avanços nas mais diversas áreas. Enfatizou também a importância de prever a oferta do ensino da língua brasileira de sinais (Libras) para os deficientes auditivos e do sistema braile para os cegos.

— O braile é fundamental para a alfabetização e para os anos iniciais do estudo dos deficientes visuais. A gente sabe que a educação é fundamental para todos os seres humanos, inclusive para mim que nasci lá no sertão do Ceará e hoje sou professor, jornalista e escritor. Eu só sou isso por conta da educação — disse.

Fonte: Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)