deficiente emprego

Apesar de possuir graduação e pós-graduação, Christian Guerrato, de 28 anos, tentou por três anos uma colocação profissional sem participar da lei de cotas. Ele só conseguiu um emprego quando fez uso da lei.

(Foto: Cristiane Cardoso / G1)

Uma pesquisa da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), realizada com 2.949 profissionais do setor apontou que 81% dos recrutadores contratam pessoas com deficiência “para cumprir a lei”. Apenas 4% declararam fazê-lo por “acreditar no potencial” e 12% o fazem “independente de cota;“. Para Teresa Amaral, superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência, este é um dos principais problemas da inclusão desses profissionais no mercado de trabalho no país.

“Eu acho que a grande questão é o olhar da empresa para a pessoa com deficiência com obrigação e não a contratação de uma pessoa competente. No momento que a empresa pensa ‘vou ter que contratar despesa‘, essa pessoa vira um fardo para os seus quadros e ela já começa desistindo. Então, a grande mudança que é preciso é esse olhar das empresas e da sociedade no geral sobre a competência de pessoas com deficiência”.

Christian Guerrato, de 28 anos, é um dos exemplos de profissional em busca de uma oportunidade de trabalho à altura de sua qualificação. Formado em administração, com duas pós-graduações em marketing, uma concluída e outra em curso, ele é fluente em espanhol, possui inglês avançado e estuda japonês. Mas já teve entre suas tarefas como assistente de merchandising – cargo que ocupou por três meses –, recolher latas de tinta e fazer limpeza.

“Fui contratado para uma função e quando cheguei, acabei tendo que fazer limpeza, tendo que dar de eletricista, pegar lata de tinta. Tudo que foi passado na entrevista não aconteceu. Quando fui ver, era algo de âmbito geral da organização. A maior dificuldade é a percepção das pessoas que vão contratar. A maioria vê o portador como se tivesse dificuldade, como se a pessoa fosse menos competente”, contou o jovem do Rio de Janeiro, que possui atrofia ocular.

Falta de informação e preconceito

De acordo com a pesquisa “Profissionais de RH: expectativas e percepções sobre a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho”, cerca de 50% declararam já terem entrevistado pessoas com deficiência. No entanto, destes, 56% afirmaram não se sentir bem preparados para tal função, o que, para a ABRH, representa uma fragilidade do processo de inclusão.

“Esse dado é preocupante, visto que os gestores são fundamentais ao processo de inclusão. Afinal, são eles que decidem sobre a contratação dos profissionais com deficiência e que os gerenciam. Sem suporte adequado, o risco de má gestão é amplificado, ocasionando situações de exclusão dentro do próprio ambiente de trabalho, falta de assistência adequada ou diferenças de tratamento e oportunidades”, analisou a associação.

Marcia Costa trabalha há seis anos da Light. Nos corredores, há sinalizações em braille para que os funcionários deficientes visuais saibam onde estão localizadas suas mesas (Foto: Cristiane Cardoso / G1)

Marcia Costa trabalha há seis anos na Light. Nos
corredores da empresa, há sinalizações em braille
para que ela e outros funcionários deficientes
visuais saibam onde estão localizadas suas mesas
(Foto: Cristiane Cardoso / G1)

A pesquisa revelou ainda que 65% dos gestores possuem resistência em entrevistar e/ou contratar pessoas com deficiência. Para a ABRH, é “outro dado preocupante”. E 93% dos que responderam a análise afirmaram que gestores devem se informar mais para entrevistar e gerenciar este profissional, “revelando que ainda existem muitas barreiras a serem derrubadas e muito trabalho a ser feito com os gestores”.

“Acredito que ainda há muito a investir em termos de conhecimento e desenvolvimento de habilidades e atitudes de gestores, em todos os níveis nas organizações, e seus empregados em geral, pois o desconforto causado às PcD [pessoas com deficiência] é decorrente da evidência do preconceito e discriminação por essas pessoas – o público interno, somado ao público externo, os clientes dessas organizações”, afirmou Jorgete Lemos, diretora de Diversidade da ABRH Nacional.

Para a assistente de compras Marcia Marisa Costa, de 45 anos, que trabalha há seis anos na Light – empresa privada de geração, comercialização e distribuição de energia do Rio de Janeiro –, a falta de convívio com pessoas com deficiência potencializa o preconceito de que há limitações do profissional para executar as atividades necessárias para o cargo pretendido.

“Não tem outro nome. O preconceito é fruto da falta de conhecimento. As pessoas não entendem como uma pessoa com deficiência visual pode desempenhar determinadas funções. Para você, é claro que a questão é o preconceito, mas isso não é dito, não é verbalizado. Você não tem como fazer nada. Você consegue observar que a pessoa está insegura com você. A gente observa em entrevistas, e depois nunca mais reencontra essa pessoa”, desabafou.

Para que esse distanciamento seja contornado, Marcia, que também já trabalhou em ONGs desenvolvendo livros para deficientes visuais como ela, acredita que “o contato é muito importante”. “Essas iniciativas que muitas empresas têm de pegar o deficiente que esteja bem posicionado profissionalmente e levar para dar palestras, eu tenho visto bons resultados. Isso tem ajudado”, garantiu. Junto à Marcia, há outros 192 funcionários na Light com algum tipo de necessidade especial.

“A gente não foi acostumado a conviver com pessoas com deficiência. Não estudou em escolas com elas. É raro. Você tem um cadeirante, uma pessoa deficiência auditiva, visual. Isso já tem desde muito tempo. E isso se reflete no universo das empresas. Ela não é produtiva? Ela vai atrapalhar? É uma pessoa que não posso contar?”, ponderou Patrícia Pacheco, diretora de Responsabilidade Social da ABRH-RJ.

Buscando um universo corporativo em que essas dúvidas não existam, a diretora ressaltou a importância do RH em sensibilizar gestores e equipes para “essa nova relação”, uma vez que muitos nunca tiveram contatos com pessoas com limitação física, segundo Patrícia.

“Às vezes não é culpa das pessoas, é porque não aprenderam a lidar com aquela situação. Se quer saber como lidar com a deficiência, pergunte à pessoa como ela quer ser tratada. Pergunta a ela se ela precisa de ajuda para abrir a porta, porque o que a gente não pergunta, fica na suposição e isso parte mais de uma suposição do que de uma situação real”, concluiu.

Busca por profissionais

A pesquisa revelou ainda que cerca de 80% dos entrevistados consideram que a busca por profissionais com deficiência é mais difícil em comparação com aqueles sem deficiência. “A questão está situada no âmbito comportamental/atitudinal, e por isso, é um processo lento envolvendo realinhamento de valores”, completou Jorgete, que acrescentou ainda que a limitação da busca desses profissionais a ONGs também prejudica a inclusão das PcDs.

Christian exibe todos os diplomas e certificados que possui diferentes tipos de cursos que já realizou (Foto: Cristiane Cardoso / G1)     
Christian exibe todos os diplomas e certificados
que possui diferentes tipos de cursos que
já realizou (Foto: Cristiane Cardoso / G1)

      

“A grande dependência das empresas pelas indicações denota falta de um banco de currículos qualificado. Já a elevada busca por PcDs nas ONGs demonstra que a deficiência ainda está muito institucionalizada. A percepção de que uma pessoa com deficiência está vinculada a uma associação é grande, o que é uma visão equivocada”, analisou a ABRH.

46 milhões de pessoas com deficiência
Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego, havia no Brasil 358.738 pessoas com deficiência contratadas até setembro de 2014. O Ano de 2013 registrou 357.797 profissionais. Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil há, no entanto, cerca de 46 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, 24% da população.

De acordo com as Estatística de Gênero do instituto – análise dos resultados do Censo 2010, divulgados em outubro – a participação da população economicamente ativa mostra diferenças entre homens e mulheres, que possuem menor participação. Segundo o IBGE, homens e mulheres de 16 a 64 anos com deficiências no grau severo ou mental/intelectual participam menos do mercado de trabalho.

Entre os respondentes da pesquisa da ABRH, 59% é formado por mulheres, 45% possuem pós-graduaçao em curso ou completo. Serviços é o setor que se destaca entre as empresas dos respondentes e 49% são gerentes, coordenadores e diretores.

Lei 8213/91

A lei determina que empresas de 100 funcionários ou mais incluam de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiências habilitadas na seguinte proporção: até 200 empregados, 2%; de 201 a 500 empregados, 3%; de 501 a 1000 empregados, 4%; e de 1001 em diante, 5%.

Principais dificuldades recrutamento (Foto: Reprodução / ABRH)

Principais dificuldades no recrutamento e seleção de pessoas com deficiência segundo pesquisa

(Foto: Reprodução / ABRH)
Fonte G1