Horas após a celebração do ano novo de 1992, Carlos Eduardo Rosa, um então jovem de 18 anos, dormia em seu carro, estacionado na Praia da Barra. Ele optou por não voltar para casa imediatamente porque o amigo que seria o motorista da vez havia bebido. Mas, momentos depois, quatro veículos foram atingidos por um carro desgovernado. Kazê, como é apelidado, foi o único a sofrer sequelas: ficou tetraplégico. É claro que ele nunca queria ter passado por essa situação, explica, mas, entre o abatimento e o otimismo, ficou com a segunda opção. No mês que vem (dia 9, no Rio Shopping), o cadeirante, que é jogador de power soccer (futebol adaptado) e pintor, vai lançar o livro “Vinte anos e dois meses depois: muito além do trocar os pés pelas rodas”, sobre sua vida.

A que período se referem os 20 anos do título do livro?

Quase dois meses depois do acidente eu fui para o hospital Sarah Kubitschek, de Brasília, para um período de reabilitação. Era tudo muito novo para mim, eu ainda não havia entendido direito o que se passara. Vinte anos e dois meses depois, fui fazer um procedimento médico no Sarah Kubitschek de Belo Horizonte. Lá eu cheguei com muito mais autonomia; eu havia me transformado em outra pessoa, falando com todo mundo, com domínio sobre a cadeira etc. Naquela noite, decidi que esse seria o título do livro, que na verdade eu já escrevia há muitos anos; é quase como um diário.

Você era adepto de muitos esportes. Como foi a mudança após o acidente?

Eu jogava futebol, lutava caratê e jiu-jítsu, pegava onda, escalei o Pão de Açucar, o Dedo de Deus… Enfim, praticava muitos esportes, e queria continuar assim. A primeira experiência foi o mergulho adaptado, que é uma experiência ótima, mas eu não faço esforço, só sou conduzido. Eu queria mesmo praticar alguma coisa, e não conseguia jogar vôlei, basquete e tênis, porque não tenho força nos braços. Tentei a bocha, mas não gostei muito. Aí descobri o power soccer, em 2010, quando fundamos o primeiro time da América Latina.

Como é o power soccer?

Meu amigo, Ricardo Gonzales, trouxe o esporte para o Brasil. São três jogadores na linha e um no gol, todos numa cadeira adaptada, que tem um foot guard na frente, que seria a nossa chuteira, para empurrar a bola. Tem algumas especificidades, mas no geral seguimos as regras do futsal. A bola é um pouco maior. O esporte está cotado para entrar na Paralimpíada.

Você é atual campeão brasileiro.

Sim, pelo Rio de Janeiro Power Soccer. Ganhamos em 2014 também, dois anos depois da fundação do Campeonato Brasileiro. O primeiro time do qual participei foi o Novo Ser, em 2010. Hoje o campeonato nacional já tem seis times, com equipes do Sul, do Ceará e de São Paulo também. Além disso, faço parte da seleção brasileira. Já fomos campeões sul-americanos em 2015, contra Argentina e Uruguai.

E qual sua principal ocupação atualmente?

A pintura. Faço parte da Associação de Pintores com as Bocas e os Pés, baseada na Suíça, que transformam quadros dos artistas em cartões e calendários, para serem vendidos. Diferentemente do esporte, essa foi uma habilidade que desenvolvi após o acidente. Antes eu não conseguia pintar nem uma casinha, e, quando um amigo me convidou para participar do projeto, fiquei reticente. Minha primeira tentativa foi pintar um pôr do sol. Eu gostei e mostrei para o meu irmão, que elogiou o “ovo frito que eu fiz” (risos). Fiquei uns seis meses sem pintar de novo, até que uma outra amiga, artista, me incentivou. Além disso, toco gaita, mas mais na brincadeira.

Como é viver no Rio em termos de acessibilidade?

Complicado. As calçadas são ruins, e, quando há rampas, muitas delas são malfeitas. Ônibus adaptados também não funcionam, nós ficamos muito inseguros. Em casa, sempre tive ajuda dos meus pais, e tenho um programa especial de computador que me permite fazer tudo por comando de voz.

Você costuma ser convidado para dar palestras sobre sua vida?

Sim, em várias empresas. Sempre fui um cara bem otimista, nunca me deixei abater pela lesão. Claro que não queria ter sofrido isso, mas eu soube lidar com a situação de uma maneira bem tranquila. Tento me proporcionar momentos felizes.

Fonte: O Globo

Source: Cadeirante lança livro em que narra sua adaptação após ficar tetraplégico – Jornal O Globo