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Vanessa Barro Canal recebeu o primeiro diagnóstico de leucemia com dois anos, mas só foi curada aos nove
Vanessa Barro Canal recebeu o primeiro diagnóstico de leucemia com dois anos, mas só foi curada aos nove
 
Larissa Leiros Baroni Do UOL, em São Paulo
 
Ela tinha menos de três anos quando foi diagnosticada pela primeira vez com leucemia. Após o tratamento, a doença voltou a se manifestar aos cinco e aos oito anos. Sem poder recorrer um transplante de medula óssea pela incompatibilidade com os pais e a irmã, a família quase desistiu para poupar a criança de tratamentos tão sofridos.
 
Foi nesse momento que a experiência do uso de células-tronco de um cordão umbilical para o combate ao câncer apareceu como possibilidade. Vanessa Barro Canal, hoje com 22 anos, a primeira beneficiaria da Rede BrasilCord –rede de bancos públicos de sangue de cordão umbilical e placentário. E foi assim que a menina venceu o câncer com essa aposta em 2004.
 
“Se aquela mãe não tivesse doado o cordão umbilical, não sei se minha filha estaria viva hoje”, afirma Mary Regina Barro Canal, 52. “Devo a vida da minha filha a uma mãe que generosamente resolveu doar um cordão umbilical, que se não fosse doado teria ido para o lixo.”
 
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Em 2004, Vanessa –que atualmente tem 22 anos– foi a primeira a ser beneficiada da rede BrasilCord
 
Com poucas referências na época, a mãe conta que não foi uma escolha fácil. “É duro ter que decidir a vida de um filho”, ressalta ela. “Mas, como o médico me alertou, era preferível eu tentar do que eu me arrepender.”
 
Como explica Carlos Alexandre Ayoub, diretor clínico do Centro de Criogenia Brasil, o sangue do cordão umbilical é rico em células-troncos, e uma excelente opção para o tratamento de mais de 80 doenças relacionadas ao sangue — incluindo leucemias, linfomas e anemias graves . Isso porque as células-tronco são capazes de substituir diferentes tipos de células doentes por uma sadia. “É uma alternativa ao sangue da medula óssea, mas que se destaca por ser bem mais jovem”.
 
A “juventude” das células aumentam as chances de compatibilidade e à agilidade na recuperação do transplante.
 
Segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer), há cerca de 25% de chances de encontrar um doador de medula óssea compatível na família. Mas as possibilidades do paciente encontram um doador de fora compatível são de 1 em cada 100 mil pessoas.
 
“A compatibilidade genética para um transplante de uma medula óssea não pode ser inferior a 90%. Mas, com o sangue de cordão, que é uma célula mais imatura, você consegue realizar um transplante com até 70% de compatibilidade”, compara Luis Fernando Bouzas, coordenador da Rede BrasilCord.
 
Uma chance de cura para doenças degenerativas
 
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Além do tratamento de doenças relacionadas ao sangue, como aponta Ayoub, o cordão umbilical também tem sido usado para tratar doenças degenerativas, tais como artrite, artrose, enfisema pulmonar e lúpus, e é visto como esperança para o mal de Parkinson e o Alzheimer.
 
“No Brasil, essas intervenções só podem ser realizadas a partir de autorização judicial. Mas, nos Estados Unidos, por exemplo, o procedimento é permitido para tratamentos ortopédicos. Na Europa, as autorizações também são específicas. Mas, na Ásia, está liberado para qualquer coisa”, afirma o especialista, que se diz otimista em relação ao avanço da terapia celular.
 
“Muitas pesquisas científicas já apontam a eficiência da terapia celular no tratamento das doenças degenerativas e, em breve, as agências reguladoras brasileiras devem liberar o uso do cordão para essa finalidade também”, acrescenta Ayoub.
 
Bancos públicos e privados
 
No Brasil, há 13 bancos públicos de sangue de cordão umbilical em funcionamento: quatro em São Paulo (dois na capital paulista, um em Campinas e outro em Ribeirão Preto), um no Rio de Janeiro, um em Brasília (Distrito Federal), um em Santa Catarina (Florianópolis), um no Rio Grande do Sul (Porto Alegre), um no Ceará (Fortaleza), um no Pará (Belém), um em Pernambuco (Recife), um no Paraná (Curitiba) e um em Minas Gerais (Belo Horizonte).
 
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De acordo com Bouzas, outros três bancos estão prestes a serem inaugurados em Manaus (AM), São Luís (MA) e Campo Grande (MS). “Os de Maranhão e de Manaus estão prontos só aguardando a inauguração mesmo. Já a de Mato Grosso do Sul pode demorar um pouco mais para entrar em funcionamento, mas não muito”, relata ele.
Essa rede nacional, segundo ele, conta com 23 mil unidades de cordão umbilical armazenadas.
 
“Cada uma das unidades tem capacidade de armazenar 3.000 unidades, o que significa que ainda há possibilidade de expansão, apesar de a coleta ter limitada. Mas a quantidade atual da rede é bastante significativa”, alerta ele, que aponta a integração dos bancos públicos nacionais com bancos mundiais. “Há cerca de 80 mil unidades no mundo inteiro a qual podemos recorrer sempre que precisarmos.”
 
Mas, diferentemente da doação de medula óssea, não basta querer para fazer a doação de um cordão umbilical. “Funciona aqui como funciona no mundo inteiro. Cada um dos bancos públicos possui parceria com um ou dois hospitais (a maioria deles públicos), que indicam as grávidas voluntárias, acompanhadas no pré-natal. No momento do parto, a equipe especializada faz a coleta do material, que será armazenado para um futuro uso público”, explica Bouzas.
 
Para as mães que querem exclusividade do uso do cordão umbilical, a alternativa é pagar pelo armazenamento do material nos bancos privados. No Brasil, há 17 opções. “É uma segurança para as famílias com históricos de doenças no sangue ou degenerativas”, destaca Ayoub. Mas essa segurança tem um custo, que não é dos mais baixos. Além de pagar a coleta que custa em média R$ 3.000, é preciso pagar uma taxa de manutenção anual no valor de R$ 650.
 
Número de transplantes realizados
 
Desde 2004, quando a Rede BrasilCord foi lançada, foram realizados 187 transplantes a partir dos cordões doados. Um número bem inferior ao número aos procedimentos realizados com o sangue de medulas-óssea.
 
Só em 2016, segundo o Ministério da Saúde, foram realizados 381 transplantes de medula óssea no país. Vale ressaltar que o número é relacionado exclusivamente aos casos de doadores que não tem nenhum vínculo familiar com o paciente. Atualmente, segundo o Redome (Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea), há 4,4 milhões de doadores cadastrados e 850 pacientes em busca de doadores.
 
“O número ainda é baixo por que a terapia celular no Brasil é muito recente. Sem contar que o uso do cordão umbilical é uma escolha dos médicos e dos centros cirúrgicos. E a falta de expertise no procedimento faz muito deles optarem pelo modo convencional [medula óssea]”, afirma Bouzas, que acredita que o cenário deve mudar em um curto prazo.