Muitos não sabem, outros não acreditam, vários já desistiram e alguns aguardam há anos na fila, mas desde maio de 2013 o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a oferecer cadeira de rodas motorizada para as pessoas com deficiência que são incapazes de tocar uma cadeira manual. Para esses, a cadeira deve ser equipada com motor elétrico que pode ser acionado por controle remoto, pelo queixo ou boca. Além dela, o SUS também deve garantir a cadeira higiênica e a monobloco manual (para quem consegue tocar sozinho uma cadeira, mas não tem condições de comprá-la), leve e portátil, que possui mecânica favorável à propulsão e manobras em terrenos acidentados. Esse projeto faz parte do Programa “Viver sem Limites” que prometia aplicar, até o final de 2014, R$ 7,6 bilhões para atender a população com deficiência, que hoje já ultrapassa os 45 milhões*.

 
(*Dados do Censo 2010, como mostra oEstadão).
 
É a Portaria nº 1.272 de 25/06/2013 que incluiu a cadeira de rodas motorizada na lista de órtese, prótese e materiais (OPMs) dispensados pelo SUS. Para isso ela exige uma prescrição médica indicando a necessidade da cadeira. Como explicam os sites especializados, os institutos de reabilitação e os outros centros que são as principais fontes de informação para pessoas com deficiência e seus familiares, principalmente nas grandes cidades, para dar entrada no pedido, a orientação é buscar um posto de saúde e passar em consulta com o médico fisiatra ou ortopedista para solicitar a prescrição e o encaminhamento para o sistema de dispensação de OPMs.
 
Assim, seguindo o trecho dessa Portaria sobre a cadeira motorizada temos:
 
A cadeira de rodas motorizada deverá ser indicada após avaliação completa, por profissionais habilitados e capacitados e exclusivamente ao indivíduo com comprometimento da sua mobilidade, dependente de cadeira de rodas para sua locomoção, que por algum motivo não tenha possibilidade de impulsioná-la de forma manual e independente e que consiga manuseá-la de forma adequada.
 
Logo, para conseguir uma cadeira de rodas motorizada pelo SUS bastaria:
 
1°- Ir ao posto de saúde do SUS
2°- Pedir ao médico uma receita determinando a necessidade de ter a cadeira motorizada para livre locomoção (então é necessário explicar ao médico)
3°- Com a receita em mãos procurar a assistente social do posto de saúde para que ela faça o encaminhamento do pedido de doação
 
Parece simples, uma vez que a lei garante que apenas essa receita basta, já que de acordo com a Constituição uma prescrição médica não pode ser descumprida pelo governo. No entanto, como se sabe, essa não é a realidade na vida de muitas dessas pessoas. E os motivos são dos mais variados: falta de conhecimento e desinformação dos direitos das pessoas com deficiência; descrença da aplicação da lei por parte dos requerentes; a inexistência de profissionais capacitados nos pequenos municípios e até os assistentes sociais que desconhecem esses caminhos – como ocorreu de início com este tetraplégico que vos escreve e também aguarda na fila.
 
 
No início desse trâmite para conseguir minha cadeira e, até hoje, fui gentilmente amparado por assessores da deputada federal Mara Gabrilli, em trocas de e-mails e mensagens. Mas ainda aguardo ser convocado para perícia em outra cidade, já que a assistência social do município onde moro desconhecia tal portaria, pela inexistência da equipe multidisciplinar que faz a avaliação para identificar as adaptações necessárias e o tipo de cadeira indicada, e por se tratar do SUS – que como todos sabemos nunca nos atende de imediato, apesar de toda pessoa com deficiência ter preferência. Pelo menos agora o caminho já foi aberto a outras pessoas dispostas a aguardar na fila.
 

E por falar em fila, segundo matéria sobre campanha para aquisição do equipamento, “a fila de espera por uma cadeira de rodas no Brasil é um dos maiores problemas enfrentados hoje pelo brasileiro com deficiência. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), só no Brasil, cerca de 2 milhões de pessoas precisam de uma cadeira de rodas para se locomover, mas apenas 10% consegue ter acesso ao equipamento fornecido pelo Sistema Único de Saúde.” Não bastasse esse baixíssimo índice, “a média de espera dessa população é de cerca de 2 anos, mas em alguns estados pode chegar a cinco.”

E com o crescente número de pessoas que necessitam de uma cadeira de rodas, os critérios adotados para dar entrada no pedido através do SUS fizeram aumentar a burocracia e dificultar o seu acesso. Prova disso são os comentários de usuários do Facebook, por exemplo, em alguns grupos específicos. Ao perguntar “alguém por aqui já conseguiu a cadeira de rodas motorizada pelo SUS?”, recebi dezenas de respostas como:
“Fiz inscrição pra uma (cadeira) normal já tem 4 anos kkkk desisti…. Acabei fazendo umas economias e comprando uma”.
“Eles ‘enrola’ d++ aqui em Belo horizonte MG”.
“Põe difícil nisso rs. Meu caso usei o crédito acessibilidade”.
“Também dei entrada no pedido há uns 4 anos também …até hoje nada rs”.
“Eu nunca consegui….”
“Dei entrada no pedido faz um ano e meio quase… até agora nada”.
“já tem 4 meses e nada.”
“Sei que conseguir, consegue, só é demorado e são bem criteriosos; uma vez levei minha filha em uma avaliação; é quase desumano o ortopedista q avalia, ele que julga se é necessário a cadeira ou a órtese”.
“Estou esperando a minha há 1 ano e tá agarrada”.
“Dei entrada e já tem mais de 6 meses e nada. Tive um Avc e vou ver se consigo uma motorizada”.
 

Por outro lado, aqueles que tiveram a oportunidade de frequentar institutos de reabilitação como a Rede Lucy Montoro, em São Paulo (SP), ou a Rede Sarah, em Brasília (DF) e em Salvador (BA), além de outros como a AACD, APAE etc, puderam contar com o apoio de assistentes sociais que em pouco tempo resolveram essa questão. Perceba nos comentários:

“Meu pai conseguiu no Instituto Lucy Montoro em SJC. Através da secretaria de saúde da cidade”.
“Tem uma conhecida minha que conseguiu pela APAE aqui de SP”.
“Eu tenho mas quem comprou pra mim foi um prefeito daqui da cidade onde eu moro”.
“Na Bahia o cepred dar com indicação médica, Sarah l.”
“Depois de encaminhar os papéis em quatro meses ganhei a cadeira Motorizada…estou viva”.
“Eu consegui pro meu filho”.
“Eu consegui há 3 anos atrás pelo governo.”
“Eu consegui! Sou de BH/MG”.
“eu consegui manual levei 5 meses receber agora tentei uma a motor”.
“eu já. é só levar um laudo medico na apae. por la eles faz o pedido. aqui em campo grande. ms. por ai já não sei. informa mais. ganha sim”.
“Eu consegui. Também através do Lucy Montoro”.
“No CRER em Goiânia da Cadeira de roda motorizada”.
Como se pode perceber, aqueles que tiveram ajuda de institutos conseguiram sua cadeira. Outros, seguindo à risca os trâmites e enfrentando toda burocracia também foram contemplados. No entanto, há ainda muita gente aguardando, como vimos, entre dois e quatro anos, ou mais, para ter acesso a um equipamento que é de extrema importância para seguir uma vida com qualidade, mesmo havendo uma lei que obriga o SUS a fornecer o equipamento. Assim, fica difícil entender quais são os critérios utilizados pelos agentes responsáveis, como também não fica claro a real preferência de atendimento concedida no atendimento da pessoa com deficiência.
Na LBI – Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146/15), o CAPÍTULO III DA TECNOLOGIA ASSISTIVA, Art. 74. esclarece: “É garantido à pessoa com deficiência acesso a produtos, recursos, estratégias, práticas, processos, métodos e serviços de tecnologia assistiva que maximizem sua autonomia, mobilidade pessoal e qualidade de vida.
V – Facilitar e agilizar o processo de inclusão de novos recursos de tecnologia assistiva no rol de produtos distribuídos no âmbito do SUS e por outros órgãos governamentais.
Com isso, veja abaixo as garantias dessa Lei:
Coordenação de sistemas de informação Sistema Único de Saúde – legislação federal órtese, prótese e materiais especiais (OPMs)
1- Ministério da Saúde – Secretaria de assistência à saúde Portaria nº 116, de 9 de setembro de 1993
(Veja, abaixo da portaria, a lista de materiais que devem ser fornecidos pelo SUS, clicando aqui)
O Secretário de Assistência à Saúde, no uso de suas atribuições e, considerando a integralidade da assistência, estabelecida na Constituição Federal e na Lei Orgânica de Saúde (Lei nº 8.080 de 16.09.90);
Considerando que o atendimento integral à saúde é um direito da cidadania e abrange a atenção primária, secundária e terciária, com garantia de fornecimento de equipamentos necessários para a promoção, prevenção, assistência e reabilitação; Considerando que o fornecimento de órteses e próteses ambulatoriais aos usuários do sistema contribui para melhorar suas condições de vida, sua integração social, minorando a dependência e ampliando suas potencialidades laborativas e as atividades devida diária;
Considerando a autorização estabelecida pela RS nº 79 de 02/09/93 do Conselho Nacional de Saúde, resolve:
1 – Incluir no Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde – SIA/SUS a concessão dos equipamentos de órteses, próteses e bolsas de colostomia constantes do Anexo Único.
2 – A concessão das órteses e próteses ambulatoriais, bem como a adaptação e treinamento do paciente será realizada, obrigatoriamente, pelas unidades públicas de saúde designadas pela Comissão Bipartite. Excepcionalmente, a referida comissão poderá designar instituições da rede complementar preferencialmente entidades universitárias e filantrópicas para realizar estas atividades.
3 – Caberá ao gestor estadual/municipal, de conformidade com o Ministério da Saúde, definir critérios e estabelecer fluxos para concessão e fornecimento de órteses e próteses, objetivando as necessidades do usuário.
4 – O fornecimento de equipamentos deve se restringir aos usuários do Sistema Único de Saúde que estejam sendo atendidos pelos serviços públicos e/ou conveniados dentro da área de abrangência de cada regional de saúde.
5 – Fica estabelecido que a partir da competência setembro/93, o Recurso para Cobertura Ambulatorial – RCA será acrescido de 2,5 %, destinado ao pagamento das órteses e próteses fornecidas aos usuários.
 
Agora, confira a série de avaliações estabelecidas pela Portaria nº 1.272, 25 de Junho de 2013:
 
Trecho da Portaria sobre a cadeira motorizada:
PRESCRIÇÃO DA CADEIRA DE RODAS MOTORIZADA
 
A cadeira de rodas motorizada deverá ser indicada após avaliação completa, por profissionais habilitados e capacitados e exclusivamente ao indivíduo com comprometimento da sua mobilidade, dependente de cadeira de rodas para sua locomoção, que por algum motivo não tenha possibilidade de impulsioná-la de forma manual e independente e que consiga manuseá-la de forma adequada.
 
AVALIAÇÃO: Realizada por equipe multidisciplinar considerando os seguintes aspectos:
 
1. AVALIAÇÃO FÍSICA: deve assegurar que o usuário tenha comprometimento total da marcha, impossibilidade de impulsionar a cadeira de rodas manual ou de utilização de qualquer outro meio auxiliar de locomoção, mas com habilidade mínima suficiente para controlar de forma adequada a cadeira de rodas motorizada.
 
2. AVALIAÇÃO COGNITIVA: deve certificar que o usuário tenha nível de compreensão, capacidade de planejamento, execução e atenção satisfatórios. Grau de alteração de controle inibitório, impulsividade e heminegligência também devem ser avaliados para que haja condução com eficiência e segurança o equipamento, avaliando os riscos tanto para o paciente quanto para as pessoas ao redor.
 
3. AVALIAÇÃO AUDITIVA: deve ser assegurado que o usuário tenha nível de audição suficiente de forma que possa perceber e prevenir situações que apresentem risco para si mesmo e outras pessoas.
4. AVALIAÇÃO DA VISÃO: deve ser evidenciado que o usuário não possua alterações visuais que venham a comprometer sua segurança e de outras pessoas durante a condução da cadeira de rodas motorizada.
 
Ainda, para cada tipo de cadeira de rodas citado, é necessário que sejam feitas outras avaliações:
 
1. AVALIAÇÃO DO AMBIENTE: deverá considerar aspectos acerca do ambiente doméstico do usuário como presença de degraus, mobiliários, larguras de portas insuficientes, bem como aspectos do percurso cotidiano como calçadas e rampas inadequadas, presença de degraus, relevo acidentado e outros fatores que impeçam a utilização da cadeira de rodas.
 
2. OUTRAS INFORMAÇÕES PERTINENTES RELATADAS PELO PACIENTE.
 
3. CONCLUSÃO DA AVALIAÇÃO: deve ser elucidado pelos profissionais responsáveis se há indicação segura e necessária da utilização da cadeira de rodas.
 
Além dos pontos considerados necessários à avaliação, é necessário que haja comprometimento pelo solicitante de que o usuário será submetido a atividades de treinamento para uso adequado da cadeira de rodas monobloco, cadeira de rodas acima de 90 kg e da cadeira de rodas motorizada, durante o processo de reabilitação o que também deverá constar na justificativa do laudo/relatório clínico de prescrição.
 
Boa sorte!
 
Alguns grupos do Facebook:
 
Deficientes que Vivem e Amam Sem Preconceito
 
DEFICIENTES
 
DEFICIENTES & NOTÍCIAS
 
Cadeirantes do Brasil
 
#TetraDoido
 
(Via Rafael Ferraz, jornalista e autor da coluna Tetraplégicos Unidos)

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