Impedido de andar por uma tetra-paralisia que o acompanha desde o nascimento e dificulta a fala, o pequeno Andreo Ângelo Amorim estava inquieto naquela manhã de 27 de junho, mas, a julgar pelos sorrisos, percebia-se que era por um bom motivo. Pela primeira vez em seis anos de vida ele pôde testemunhar o voo de araras falantes, a queda de uma cachoeira de quase 90 metros e a imensidão de paredões e árvores que perdiam-se no horizonte do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães.

As sensações experimentadas por Andreo tornaram-se possíveis graças à Julietti, uma cadeira de rodas criada especialmente para ser utilizada em trilhas por regiões planas e desniveladas. O equipamento foi idealizado no ano passado pelo engenheiro Guilherme Cordeiro, depois que sua esposa Juliana Tozzi passou a ter dificuldades de locomoção em razão do aparecimento de uma síndrome neurológica rara. Assim, o casal apaixonado pela combinação de esportes e natureza voltou a trilhar junto.

A iniciativa ganhou repercussão e deu origem ao Montanha para Todos, projeto que promove a inclusão de pessoas com deficiência em atividades de lazer no meio ambiente. Desde então, as cadeiras de rodas adaptadas – chamadas de Julietti em homenagem a Juliana – têm sido doadas pelo casal a instituições filantrópicas e parques nacionais pelo Brasil. Até o momento, nove unidades já foram entregues.

O Parque Nacional de Chapada dos Guimarães recebeu o equipamento no mês passado por meio da Sociedade Brasileira de Ortopedia. O primeiro teste, realizado com Andreo e outros quatro pacientes atendidos pela Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (Apae), fluiu tranquilamente. O trajeto se concentrou a partir da sede do ICMBio e teve como ponto final do percurso o mirante da cachoeira Véu de Noiva.

“No começo, ele não estava muito receptivo, pois era necessário ajustar a posição do corpo na cadeira, a inclinação do encosto para as costas e regular o cinto. Mas, depois que o passeio começou, correu tudo muito bem. Foi uma das vezes em que o vi mais alegre. Vamos voltar mais vezes, com certeza”, revelou Deulice Amorim, mãe de Andreo.

Quem também acompanhou o teste da Julietti foi a fisioterapeuta da Apae, Franciane Freitas. Ela destacou que o equipamento traz mais qualidade de vida às pessoas com dificuldades de locomoção, na medida em que oportuniza o acesso a locais diferentes, repletos de belezas naturais. “É uma experiência muito benéfica, a gente nota o bem que o passeio traz, não só para o cadeirante, como para toda a família”, observou.

Julietti
A Julietti é composta por uma estrutura flexível de 18 quilos e possui uma roda só. Dois bastões fixos à cadeira e paralelos ao banco servem de equilíbrio para o cadeirante e para os condutores, sendo que um fica na parte da frente e o outro na parte de trás. Há ainda hastes verticais que podem ser erguidas para auxiliar o suporte do cadeirante, que é preso por um cinto de segurança.

“O ideal é que que a pessoa mais alta fique na frente e a mais baixa atrás, para que o cadeirante não fique desequilibrado. A Julietti chega a vários lugares do parque, qualquer pessoa pode usá-la, porém há um limite de peso de até 90 quilos”, afirmou Rafael Albanese, um dos voluntários do ICMBio apto a auxiliar no uso do equipamento .

Ele reuniu as informações sobre a cadeira especial e, por conta própria, elaborou um manual que descreve as peças, detalha o processo de montagem e dá dicas sobre as maneiras de se carregar o cadeirante. “Os próximos voluntários que vierem precisam ter todas essas informações que eu tive, para continuar a levar as pessoas até as cachoeiras”, observou.

Atrativos
Inicialmente, os atrativos que podem ser visitados com o uso da Julietti são o mirante do Véu de Noiva e a cachoeira dos Namorados, por oferecerem percursos mais suaves. Para usar a cadeira, é preciso fazer reserva no site do ICMBio ou pelo telefone (65) 33011133. O horário de funcionamento do parque é das 9h às 17h.

“A intenção é de que o cadeirante passe o dia com a Julietti. No agendamento, o interessado deve indicar se vai precisar de voluntário ou não. Queremos que as famílias participem junto, que seja um evento realmente social”, disse Carolina Potter, analista ambiental e gestora do parque.

Carolina ressaltou que o uso da cadeira especial é totalmente gratuito e, no caso de os voluntários não serem solicitados, é importante que os familiares do cadeirante compareçam à sede do ICMBio pelo menos um dia antes do passeio para receber instruções básicas.

Montanha para Todos
O projeto Montanha para Todos surgiu do amor de Guilherme por Juliana e da paixão de ambos pelas práticas esportivas em contato com a natureza. Após dar à luz a Benjamin, Juliana foi acometida com Degeneração Cerebelar Paraneoplásica, em decorrência do reaparecimento de um câncer.

“No segundo mês de gestação ela começou a perder a coordenação dos movimentos e não conseguia mais ficar em pé, escrever, escovar os dentes sozinha, por exemplo. Quando vimos que o diagnóstico caminhava para algo irreversível, fiz uma promessa de que a levaria para onde ela quisesse e aí comecei a pensar em uma forma de a gente retornar para as montanhas”, conta Guilherme.

Ele chegou a ver alguns equipamentos semelhantes na Europa mas, como o custo de mais de R$ 30 mil invibializava a compra, decidiu desenvolver a própria cadeira. Com a ajuda de um designer industrial, criou a Julietti no ano passado.

Divulgação/Montanha para Todos

A primeira foto da aventura postada pelo casal no Facebook teve mais de 30 mil visualizações e chamou a atenção da imprensa. Em uma semana Guilherme e Juliana estavam na capa da edição de domingo do jornal O Estado de S. Paulo e depois em programas de TV da Globo e Record.

“Após essa repercussão surpreendente abraçamos a ideia como uma missão”, contou Guilherme. “Nós falamos que nada é por acaso. Então, colocamos na nossa cabeça que tínhamos que espalhar para mais e mais pessoas com necessidades especiais esta questão da inclusão nos esportes de montanha e em outras atividades que proporcionem um maior bem estar. Disso, surgiu o Montanha para Todos.”

Desde então, o casal retomou os passeios pela natureza e tem viajado pelo país divulgando o projeto. “Queremos ir cada dia mais longe. Nossa meta para os próximos anos é que consigamos distribuir mais de 100 cadeiras Juliettis pelo mundo. Em janeiro, eu a Ju e nosso filho Benjamin partiremos para uma viagem para iniciar este trabalho.”

O projeto se mantém por meio de doações e da venda de produtos. Quem quiser colaborar basta acessar o site.