Por Fatima de Kwant

Resultado de imagem para AUTISMO E MORADIA ASSISTIDAEm pleno século XXI pode-se dizer que o Brasil conhece a definição do autismo – uma diferença neurológica que tem origem na predisposição genética e em fatores ambientais – assim como de vários tratamentos e metodologias que venham a proporcionar-lhes a evolução de seu desenvolvimento global. Também já é sabido que o espectro do Autismo é bastante diverso, indo do leve (pouco comprometimento cognitivo, social ou sensorial) ao severo (quando há necessidade de serem assistidos intensamente).

O que menos se sabe, no momento, é de como cuidar destes autistas a longo prazo, ou seja, na idade adulta e madura.

Todos os autistas são diferentes, mas os autistas serão sempre autistas. Autismo não tem cura; e não precisa, pois não é uma doença. Ainda que os cientistas não tenham definido as causas do aparecimento da síndrome (por volta de 0 a 3 anos), a única certeza que se tem é a de que todos, sem exceção, podem vir a melhorar seu comportamento, de alguma forma, uma vez devidamente acompanhados durante a vida.

Curioso observar que quando se fala de autismo, pensa-se nas crianças. A criança autista necessita toda a atenção e cuidados, certamente. No entanto, estas crescem e envelhecem. Apesar disso, existe pouca literatura quando o assunto são os adultos com autismo. Como vivem? O que fazem? São independentes? Podem tornar-se independentes? Estudam? Trabalham? Estas são algumas das perguntas mais pertinentes, quando o assunto é autismo e vida adulta.

São questões que geralmente só o tempo irá responder. Imprescindível para isso é o tratamento multidisciplinar, de preferência a ser iniciado o mais cedo possível.

Muitos pais ao se questionarem sobre o futuro de seus filhos autistas, pensam, invariavelmente, no que lhes acontecerá (filhos) quando não mais viverem (pais). É uma preocupação que amedronta a maioria das famílias com uma ou mais crianças autistas. À medida que os filhos vão crescendo, vai aumentando o medo.

 

‘Quem vai cuidar do meu filho quando eu não estiver mais aqui?

Que fique claro, ninguém talvez consiga cuidar dos filhos autistas melhor que seus próprios pais ou parentes. Porém, nem sempre isso é possível, devido às circunstâncias de cada família, ou do autista adulto que gostaria de viver independente dos pais.

Os adultos com autismo mais leve (Síndrome de Asperger ou Autismo de Alto Funcionamento), em muitos casos, quando bem encaminhados, podem vir a ter uma vida totalmente independente. Muitos estudam, têm um trabalho remunerado, moram sós ou casam-se e inclusive têm filhos. Outros, mais severos, costumam morar com a família, até que seus pais faleçam, quando geralmente um parente próximo se responsabiliza por eles. Quando não existe condições de mantê-los em casa, muitas famílias veem-se obrigadas a coloca-los em instituições particulares (relativamente caras) ou governamentais para autistas severos, cujo serviço, no Brasil, sabe-se que deixam a desejar.

Parece uma situação dramática, mas pode deixar de ser. Autistas adultos, independente de seu grau de desenvolvimento, podem viver sozinhos, com assistência física, psicológica ou psiquiátrica, intensiva ou não.

O grupo de autistas moderados – não de todo comprometido, porém sem a capacidade de cuidarem de si mesmos ou das tarefas domésticas em tempo integral – é o que mais se beneficia da moradia assistida.

 

O que é moradia assistida?

A moradia assistida é uma forma de acompanhamento para pessoas com uma ou mais deficiências, que desejam ou necessitam morar sós. Para isso, contam com uma ajuda extra, providenciada por instituições particulares ou – como no caso de alguns países europeus – pelo governo.

O grupo alvo é formado por jovens maiores de idade (18+) com leve ou moderada:

  • Deficiência física e/ou mental
  • Deficiência motora
  • Deficiência sensorial
  • Autismo e demais distúrbios psicossociais

Estes devem expressar o desejo de viverem independentemente, apesar de necessitarem ajuda (parcial) nas atividades domésticas diárias, assim como de um eventual acompanhamento psicológico e terapêutico (assistência). No caso do autismo severo, onde costumam ter um tutor, este poderá solicitar a moradia assistida com base intensiva.

Tipos de Moradia Assistida

  1. Moradia Assistida com acompanhamento parcial
  2. Moradia Assistida com Acompanhamento e Assistência
  3. Moradia Assistida com Acompanhamento e Assistência Intensiva
  4. Moradia Assistida com Acompanhamento e Assistência Intensiva Complementar
  5. Moradia Assistida com Assistência Intensiva à Demência
  6. Moradia Assistida com Assistência Intensiva e Enfermagem
  7. Moradia Assistida com Assistência bastante Intensiva, com enfermidade específica, onde o essencial é o Acompanhamento
  8. Moradia Assistida com Assistência bastante Intensiva, com enfermidade específica, onde o essencial é a Assistência/Serviço de Enfermagem
  9. Tratamento de Recuperação com Serviços de Enfermagem e Assistência
  10. Hospedagem protegida com Assistência Paliativa-Terminal

Moradia Assistida na Holanda e Bélgica – moradia comum

Na Holanda e Bélgica, essa forma de moradia é bastante comum e popular há décadas. Em média, existe uma ou mais moradias por cidade, atendendo adultos jovens e mais velhos no Espectro do Autismo. As instituições são geralmente financiadas pelas respectivas prefeituras, pelo seguro de saúde (obrigatório para todos os cidadãos) ou pelo governo, em forma do PGB – Het Persoonsgebonden Budget – um orçamento (pensão) oferecido a todo cidadão holandês que:

  • Seja ou esteja doente
  • Autistas
  • Portadores de transtornos psicossociais ou do comportamento
  • Deficientes físicos e/ou mentais

A quantia deste subsídio é equivalente à seriedade do transtorno. Deste modo, o cliente poderá comprar os cuidados (assistência, acompanhamento etc.) que precisar para seu bem-estar, sejam estes de assistência na própria casa ou em moradia assistida. Este serviço poderá ser parcial ou integral, dependendo do tipo de contrato que o cliente (ou seu responsável) vai assinar com o centro de moradia assistida onde o cliente irá viver.
O PGB faz parte da lei de 1968, sancionada pelo Ministério Holandês da Saúde e Bem Estar. Em 2008, foram incluídas na lista de clientes do PGB, pessoas com transtornos ou doenças psicossociais, como é o caso do Autismo.

A Lei do Serviço Social (Wet Maatschappelijk Ondersteuning) foi implementada em janeiro de 2015, dando às prefeituras de cada cidade a organização e direcionamento da Moradia Assistida.

Como funciona a Moradia Assistida para Autistas?

Os prédios onde os autistas adultos vivem, são, principalmente, ambientes espaçosos, mas não muito populosos. Geralmente vivem no máximo 70 clientes por prédio, cada qual com seu pequeno apartamento particular. Cada localidade conta com a presença de:

  • Diretor/administrador
  • Supervisor
  • Médico (uma ou mais visitas diárias)
  • Enfermeiros
  • Cozinheiros
  • Psicólogo
  • Psicopedagogo
  • Terapeutas ocupacionais
  • Autism-coach
  • Voluntários

Nas localidades para autistas severos ou moderados, os inquilinos têm a oportunidade de cozinharem em conjunto ou fazerem as refeições diárias na cantina, sob a supervisão de um profissional.

Em outros casos, podem escolher cozinharem em seu próprio apartamento, com ou sem supervisão (dependendo do caso).

Nas localidades onde vivem os autistas leves, com mais autonomia, podem decidir se farão tarefas junta ou individualmente, como fazerem um passeio, assistirem um filme ou cozinharem juntos.

Em todo caso, em todos os centros existem empregados de plantão (supervisores), 24 horas por dia durante toda a semana.

Lobby

Assim como a Holanda conheceu um período extensivo de lobby da Associação Holandesa de Autismo junto ao Ministério da Saúde e Bem Estar (responsável pelos direitos dos cidadãos com uma forma de deficiência), o Brasil também vai alcançar o benefício, já tão almejado pela comunidade autista brasileira.

O modelo holandês pode servir como exemplo de que a Moradia Assistida pode ser uma realidade para todo e qualquer pessoa autista adulta, quando houver o desejo explícito deste ou de seu responsável.

Uma sociedade que cuida dos seus cidadãos mais vulneráveis, é uma sociedade progressista.

Assistência durante toda a vida, para quem dela necessitar, é um direito humano, e o direito dos autistas adultos é, sem dúvida, um ato humano.

Fatima de Kwant (Rio de Janeiro) é defensora internacional do autismo e escritora de textos relacionados ao TEA. Radicada na Holanda, desde 1985, criou o projeto Autimates (Amigos dos Autistas), que dissemina informação e inspiração para pais de crianças autistas e profissionais da área comportamental.

Mais informação:

www.autimates.com

www.facebook.com/Autimates

https://www.facebook.com/groups/autimatesthegroup/

*Fatima de Kwant é jornalista, especialista em Autismo & Comunicação Social e mãe de um rapaz autista.

Através do Projeto Autimates, promove a Conscientização do Autismo da Holanda, onde reside desde 1985, ao mundo.

Imagem: Moradia Assistida para Adultos Autistas na cidade holandesa de Papendrecht.