Victória Cabral, de 15 anos, foi adotada ainda bebê em Ituberá, na Bahia. Adolescente, que é fã de Luan Santana, já fez ensaio fotográfico para loja.

Henrique Mendes Do G1 BA

Mãe de garota com microcefalia fala sobre superação da filha (Foto: Fátima Cabral/G1)

Cerca de 13 anos antes do aumento súbito dos casos de microcefalia no Brasil, uma família do município de Ituberá, no baixo sul da Bahia, desafiou o preconceito e adotou um bebê que nasceu com a malformação. Hoje, Victória Cabral Monteiro tem 15 anos de idade e acompanha as notícias do problema de saúde que tem assustado grávidas de todo o país. “Toda a reportagem que sai na televisão fala sobre o assunto e trata como doença. Ela [Victória] fica triste e me pergunta: ‘Eu sou doente?’ Para mim, não. Ela pode ter algumas limitações, mas ela pode ser o quiser”, defende a mãe Fátima Cabral Moraes Monteiro, 56.
 
Diante da preocupação da filha, que com tristeza assiste pela TV a aflição de pais que têm crianças com microcefalia, a família da jovem Victória decidiu procurar o G1 para deixar uma mensagem de esperança.
 
“Ame muito. O amor transforma. O que transformou a vida da minha filha foi o amor. As outras coisas a gente vai aprendendo”, fala sobre o sentimento que possibilitou superações que pareciam inimagináveis.
 

Victória foi adotada com 17 dias de vida (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)
   Victória foi adotada 17 dias após o nascimento (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)

Victória Cabral nasceu no dia 2 de fevereiro de 2002. Ela foi abandonada em um hospital do município de Ituberá, em circunstâncias até hoje desconhecidas. À época, uma juíza considerou importante que nos primeiros momentos de vida ela tivesse um lar. Foi, então, que a dona de casa Fátima Cabral foi procurada.
 
“Ela estava com baixo peso. A juíza e um advogado, que são meus amigos, me pediram para ficar com ela até que ganhasse um pesinho. Fiquei com ela e a ideia inicial era de que quando tivesse bem encaminhadinha, com um bom estado de saúde, pudesse ser adotada”, conta.
 
Naquela época, Fátima Cabral ainda não tinha do hospital o diagnóstico de que o bebê tinha microcefalia. Entretanto, ciente de que o perímetro encefálico da menina era menor do que o das demais crianças, decidiu levá-la para a pediatra que cuidou dos seus outros dois filhos. “Perguntei à juíza se podia levar para a pediatra dos meus filhos. Levei de imediato e ela me contou que era microcefalia. Nunca tinha ouvido falar da doença. Fui para diversos médicos em Salvador e fui tomando conhecimento do que se tratava”, lembra. 
 

Fátima e a filha ainda bebê (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)
                           Fátima e a filha ainda bebê, em Ituberá (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)

O que era para ser uma relação rápida de carinho, até que o bebê estivesse pronto para a adoção, se estendeu rapidamente para um sentimento genuíno de maternidade. “Ela tinha uma firmeza no olhar que me dizia: ‘Vai dar tudo certo’. Tínhamos uma relação muito forte. Foi uma coisa que aconteceu nas nossas vidas. Sentamos os quatro [mãe, esposo e dois filhos] e decidimos juntos o que deveria ser feito. Resolvemos aceitar o chamado de Deus”, conta Fátima Cabral sobre a decisão de adoção.
 
Em casa, além da mãe, Victória foi recebida com carinho pelo pai e dois irmãos, que na época tinham 14 e 16 anos. “Ela desenvolveu uma relação imensa de amor com eles. Não existe diferença”, celebra a mãe. A criação ainda contou com a ajuda de uma babá, até os cinco anos de idade, e de uma secretária do lar que está com a família há 20 anos. “Sempre contei com a ajuda de profissionais, que também fizeram a diferença”, acrescenta.
 
Superações
 
A família se orgulha da força de vontade que tomou conta da pequena Victória Cabral Monteiro. Submetida a diversos estímulos motores e cognitivos, conquistou façanhas inesperadas. “Começou a andar no tempo certo, com um ano e três meses. Além disso, deixou a fralda com um ano e cinco meses”, conta orgulhosa a mãe.
 
Para além dos desafios físicos, Victória também teve que lidar com o preconceito e a ausência no município de unidades de ensino especializadas em lidar com alunos que demandam estruturas inclusivas. Acabou estudando em escolas privadas tradicionais e enfrentou algumas resistências. “Existe caso de preconceito na escola, de criança que não aceita nem passar a mão”, diz Fátima Cabral. 
 

Victória ao lado dos pais em Ituberá, na Bahia (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)
          Victória ao lado dos pais em Ituberá, na Bahia (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)

Um dos grandes desafios de Victória era a leitura e articulação da fala. Ao ver as colegas avançarem neste sentido, sentia-se triste. “Tive que mudar de escola, porque ela não aceitava mais”, explica a mãe. Com todas as dificuldades, a pequena conseguiu completar o quinto ano do ensino fundamental e hoje tem um processo educacional mais privativo, fora das salas de aula e com reforços direcionados.
 
Com a fala: Victória
 
Ao G1, Victória Cabral falou com orgulho da família. Sobre a mãe, que nestes 15 anos de vida esteve em casa como parceira, agradece a entrega. “Amo muito ela”, confessou. Sobre a microcefalia, revelou: “Para mim, não é doença”.
 
A afirmação tem a ver com a sua dinâmica diária, comum a todo o adolescente. Ela estuda inglês, é fã do cantor Luan Santana e adora dançar. Em 2016, chegou a subir no palco da cantora Tays Reis, da banda Vingadora. “Foi muito bom”. Victória ainda revela outro hobby: “Gosto de fotos”. No final do ano passado, chegou a posar para fotógrafos com roupas de uma loja do município, no lançamento de uma nova coleção.
 
                     Victória com carinho sobre a mãe: amo muito ela (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)                              Victória fala com carinho sobre a mãe: ‘amo muito ela’ (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)
 
Orgulhosa das conquistas da filha, Fátima Cabral lembra emocionada do dia em que revelou para ela o processo de adoção. “Ela tinha 10 anos quando contei que era a mãe de coração. Ela, então, me perguntou se eu a amava. Eu disse que sim. Eu, então, fiz a mesma pergunta e ela respondeu que sim. Depois disso, nunca mais se tocou no assunto. O amor importa mais do que qualquer outra coisa. O amor transforma”, atestou. 
 

Victória posou para fotógrafos de uma loja em Ituberá (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)
Victória posou para fotógrafos de uma loja em Ituberá (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)

Victória é fã da cantora Tays Reis, da banda Vingadora (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)
Victória é fã da cantora Tays Reis, da banda Vingadora (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)

Victória ainda bebê deitada sobre o peito de um dos irmãos (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)
Victória ainda bebê deitada sobre o peito de um dos irmãos (Foto: Fátima Cabral / Arquivo Pessoal)

Fonte: g1.globo.com