A cadeira de rodas ainda é considerada pela sociedade como algo terrível, penoso, doentil. Mesmo que alguns não concordem com isso, as pessoas acabam pensando, inconscientemente, da mesma forma pois é um preconceito cultural.
 
Se tem gente que vira o rosto para não olhar para uma cadeira e afasta seu filho de perto de um cadeirante, imagine como seria se de repente fossem obrigados a viver nela!? Pois é, isso acontece e muito…
 
Por mais que a o cadeirante não vê a cadeira de rodas como algo terrível, a vergonha do julgamento dos outros acaba o amedrontando, fazendo com que não saia de casa, não faça novos amigos, não tire fotos de corpo inteiro e não viva dignamente.
 
Além do cadeirante a família também demora para “aceitar”. Antigamente muitos pais deixavam seus filhos dentro de casa, não levavam até a escola, tão pouco tinham vida social. Mas aos poucos isso foi mudando e hoje o apoio da família é muito importante e juntos se fortalecem para enfrentar juntos essa nova condição.
 
Para mostrar que você não é o único que passa por isso, conversamos com 4 amigos que aceitaram compartilhar com a gente o seu processo de aceitação.
 
Começamos com a entrevista da Jéssica, a paratleta que se tornou cadeirante há 3 anos e 4 meses e hoje.
 
-No início, como você reagiu quando soube que passaria a usar a cadeira de rodas?
No inicio não acreditei e não assimilei minha vida sobre rodas, acreditava fortemente que em 1 ano voltaria andar.
A primeira vez que usei cadeira foi para sair do hospital, na ocasião não liguei muito, pois estava focada em voltar para casa, como lhe disse, acreditava que aquela situação seria passageira.
 
 
-Antes de se tornar cadeirante, como você via a cadeira de rodas?
Trabalhava com cadeirantes e me relacionava bem com eles, era bem natural nossa relação.
 
Você se lembra como sua família/amigos reagiram?
Minha família e amigos também acreditavam que a situação era passageira. Teve alguns que não aceitaram prontamente, assim como amigos que se afastaram até hoje, infelizmente perdi contato com alguns e felizmente a grande maioria permaneceu.
 
 
-Quanto tempo você levou para conseguir sair de casa sem vergonha e tirar uma foto de corpo inteiro?
Eu sai de casa rápido, sou muito hiperativa, então na primeira semana de alta já sai de casa, com sonda de demora dentro da bolsa rs… também tirava muitas fotos.
 
-Hoje, você se acha bonita?
Me acho linda e adoro meu corpo. Faço dieta, fisioterapia e exercícios, tudo para manter meu corpo.
 
-Qual dica vc daria para aquelas pessoas que ainda não conseguem aceitar e achar a cadeira de rodas como amiga?
Minha dica é: Esqueça dela, permaneça ao lado de pessoas que também não se importem, foque em atividades que lhe tragam prazer, seja feliz acima de tudo, a cadeira será apenas um detalhe na sua vida, confesso que até hoje faço fisioterapia pois ainda cultivo, viva dentro de mim, essa vontade de voltar andar, porém não deixei de viver momentos lindos e inesquecíveis por conta dela, tenho momentos tristes como qualquer outra pessoa sem deficiência física.
 
Também conversei com um amiga que prefere não ter a identidade revelada, ela nasceu com uma deficiência e até hoje diz ter dificuldade para falar abertamente sobre isso.
 
-Qual a sensação que você sente ao olhar para a cadeira de rodas?
Não sinto nenhuma sensação horrível, até porque ela que me leva onde quero ir. Mas não gosto de me olhar no espelho, tenho apenas um espelho pequeno onde vejo só meu rosto.
 
-Você tira bastante fotos de rosto, nunca pensou em tirar foto de corpo inteiro?
Amo me maquiar e arrumar os cabelos para fazer fotos, mas de corpo inteiro eu não gosto nem de pensar, não gosto do que vejo. Quando eu era pequena eu chorava para não ser fotografada, e hoje se alguém tira foto comigo e aparece minha cadeira, eu dou um jeito de apagar a foto.
 
-Você sai bastante? Vai na escola?
Sim, saio bastante e não gosto de ficar em casa, mas quando saio eu esqueço que sou cadeirante, me acho uma pessoa normal.
 
-O que você diz para aqueles que se setem, como você?
Eu sei que não gostar de me ver no espelho é errado, preciso me amar como sou pois alguma hora isso vai me atrapalhar… Então, para você que passa por isso, eu digo para fazer o máximo e mudar essa situação, pois precisamos nos amar, nos aceitar, para que os outros nos amem e aceitem como somos.
 
 
Camilla Arruda também teve que aceitar a chegada da cadeira de rodas em sua vida, mas não para ela, e sim para sua filha Anna que nasceu com Atrofia Muscular.
 
-Sabemos que receber a notícia que sua filha seria cadeirante deve ter sido bem difícil, como foi isso pra você?
A Anna foi diagnosticada com AME com quase 3 anos de idade. Antes da cadeira de rodas ela usava um carrinho de bebê.
No primeiro momento acho que é normal para uma mãe ter um bloqueio, mas já estava preparada. E quando vi a Anna na cadeira de rodas entendi que era o melhor para ela. Enfeitamos com adesivos como ela pediu, ganhamos adesivos de amigos próximos, e ela ficou toda empolgada com a cadeira de rodas.
 
Você acha que sua família também teve resistência com isso?
A cadeira de rodas da Anna foi muito esperada! Não estava legal ver a Anna crescida num carrinho de bebê. Aceitamos o diagnóstico dela, e entendemos que a cadeira de rodas faz parte dela.
 
Mas mesmo preparados teve uma resistência sim, mesmo a Anna já com a cadeira de rodas, familiares ainda preferiam ela no carrinho de bebê ou até mesmo tiravam fotos sem aparecer a cadeira de rodas.
Mas isso já é passado! Hoje a cadeira de rodas é super bem aceita para todos, inclusive para Anna.
Por onde a Anna passa, ela atrai olhares imediatamente por ser cadeirante. Alguns lugares não tem adaptação nenhuma e evitamos frequentar.
Os estacionamentos sempre nos assustam, sempre alguém sem deficiência esta lá parado nos atrapalhando, ou quando paramos o carro e na hora de abrir a porta um pilar de concreto ou até mesmo uma lixeira nos atrapalha.
 
 
-O que você diria para os pais que estão passando por isso neste momento?
Mães, pais, avós, avôs, tia e tio .. tudo mundo! Ver uma criança na cadeira de rodas realmente é difícil. Querendo ou não, temos que aceitar! E quanto antes aceitar a realidade é melhor!
Hoje convivendo 4 anos com a cadeira de rodas, nada nos incomoda mais. É confortável e ajuda na postura da Anna.
 
Anninha também não podia ficar de fora, fizemos algumas perguntas a ela para entender o que passa na cabeça de uma criança. Vejam:
 
-Você acha a sua cadeira de rodas bonitinha?
Acho. Mas ela é vermelha, e eu quero de outra cor.
 
-Seus amigos já pediram pra brincar nela?
Já sim. Acham até que era uma bicicleta.
 
 
-Sua cadeira de rodas é a sua amiga ou não?
Ela é a minha amiga, ela conversa até comigo.
 
-Você sempre lembra que tá na cadeira de rodas ou ás vezes esquece?
Eu sempre lembro
 
-Você prefere tirar fotos sem aparecer a cadeira de rodas ou tanto faz?
Tanto faz! O importante é eu, bonita!
 
-O que você mais gosta em você?
Tudo!
 
-Você se acha bonita?
É lógico. Que pergunta boba! (Anna riu!)
 
-Qual sua foto preferida?
A minha foto de 6 anos, com a borboleta pintada no rosto.
 
Cada pessoa tem reações diferentes da outra, assim como o atleta Diego Coelho que encontrou no esporte o meio para se sentir melhor. Veja o que ele diz:
 
-Como você recebeu a notícia que seria cadeirante?
Recebi a notícia no hospital. O médico entrou dizendo q eu nunca mais andaria, e simplesmente saiu!
Foi bem complicado no início, o primeiro ano foi o mais difícil, depois foi passando e ficando mais tranquilo!
 
-Você lembra como foi a primeira vez sentar nela?
A primeira vez foi bem estranha! Até porque não havia recebido nenhuma orientação de como deveria ser uma cadeira nas minhas medidas, então era bem desconfortável e eu sentia muita vergonha!
 
 
-Hoje, você já aceitou melhor?
Bem a palavra aceitar para mim é um pouco complexa, pois na minha opinião aceitar significa não tentar mudar, é muito pelo contrário, estou constantemente tentando mudar e melhorar meu corpo minha qualidade de vida! Mas se a pergunta for se me dou bem com minha cadeira? Sim 100%
 
-Hoje, você gosta do seu corpo? 
O que faz para mantê-lo como gosta?
Gosto muito do meu corpo e faço todo possível para mantê-lo em forma, faço dieta e muito treino!
 
-Você percebe que muita gente ainda olha pra você com estranheza por estar na cadeira?
Sim algumas pessoas ficam incomodadas com a cadeira, e muitas acham estranho um cadeirante tão ativo e isso também desperta um olhar de curiosidade!
 
-Se você, hoje, pudesse dar um conselho para você antigamente, quando recém havia se tornado cadeirante, o que diria?
“Você pode ficar parado esperando as coisas caírem do céu ou pode viver! O que você quer para sua vida?…”
 
Fernanda Harter usa cadeira de rodas desde pequena, ela diz que a adolescência foi um dos momentos mais difíceis por ser cadeirante. Veja o que ela diz:
 
-Quando criança, você se sentia diferente no meio de seus coleguinhas?
Não sentia preconceito dos coleguinhas, tinha muitos amigos e brincava com todos eles. Foi uma das melhores fases da minha vida. Não tinha o que eu não fazia ou onde eu não iria!
 
 
Você sempre tirou fotos de corpo inteiro?
 
Não. A fase da adolescência foi muito difícil, me sentia diferente das minhas amigas, elas já tinham beijado e eu não. Só tirava fotos de rosto e ocultava cada parte que mostrasse a cadeira.
 
Em que momento você começou a “aceitar” a cadeira de rodas?
Acho que aceitação é um processo longo e cada dia evoluímos um pouco, com 18 anos enfrentei meus medos e “me mostrei”, a partir daí as pessoas passaram a me ver diferente por que eu passei a gostar de mim da maneira que sou.
 
-O que significa pra você, ser cadeirante nos dias de hoje?
Ser cadeirante é um desafio, não vou dizer que é bom por que não é, mas não é o fato de não andar que não torna isso é bom, são fatores externos, o fato de vivermos em uma sociedade que não está preparada pra receber cadeirantes, pessoas com pensamentos pequenos, penso que se tivéssemos oportunidades e acesso igual a todos as coisas seriam diferentes.
 
Vale lembrar que ninguém consegue aceitar totalmente a sua condição, este processo é constante, mas nem por isso devemos desistir e não aproveitar a vida ao máximo.
 
Fotos: arquivos pessoais