RIO — Conhecido pelos dotes humorísticos — escancarados nos vídeos que fez com o grupo Porta dos Fundos, em quadros do “Zorra total”, em shows de stand-up e em reportagens do “Encontro com Fátima Bernardes” —, Marcos Veras está dando um tempo na comédia. Ele mudou o tom para interpretar o personagem principal de “O filho eterno”, um escritor em início de carreira e de vida familiar surpreendido pela notícia de que seu filho recém-nascido tem síndrome de Down. Produzido por Rodrigo Teixeira e dirigido por Paulo Machline, o filme é o primeiro trabalho de Veras como protagonista de um drama no cinema. E à carga emocional da história soma-se muita expectativa, já que a inspiração para o longa é o aclamado livro homônimo do escritor catarinense Cristovão Tezza, um romance autobiográfico que conquistou 65 mil leitores desde sua publicação, em 2007.

Em Curitiba desde o dia 12 de março para a preparação e as filmagens, iniciadas no dia 23, Veras disse estar entusiasmado com o desafio de interpretar Roberto, um pai com sentimentos conflitantes em relação às limitações impostas pela condição genética do filho:

— A grande preocupação é não transformá-lo num vilão, num canalha, num cara que o público possa odiar. Nós temos nossas qualidades e defeitos, e esse cara vive em conflito com isso tudo. Esse personagem, em fase de amadurecimento, é um pouco o símbolo de um pai de primeira viagem, que tem problemas com a profissão, com a vida familiar e com a vida pessoal. Vive essa situação 24 horas por dia.

O nome do ator foi sugerido a Machline pela sobrinha do cineasta, a também diretora Giovanna Machline. Ela o dirigiu num dos núcleos cômicos da novela “Babilônia”. De início, o diretor não o considerou para o papel. Foi o contraste entre o personagem sombrio e a característica “solar” do humorista que virou o jogo.

— Nunca dei muita bola para a sugestão da Giovanna, mas, quando chegou mais perto de escolher o elenco, achei que poderia funcionar. A gente começou aquele processo de tentar descobrir quem era esse escritor ensimesmado, meio infantil. O Rodrigo Teixeira ressaltou as pequenas maldades dele ao longo do filme. Então, decidimos que tínhamos de pegar uma pessoa solar para interpretá-lo. Acabou que conhecemos o Veras e fizemos uma leitura. Os caminhos levaram a ele — explicou o diretor.

Veras encara o personagem com um misto de naturalidade e contrariedade:

— É natural que haja um estranhamento das pessoas ao me ver nesse papel — disse ele. — Mas é minha obrigação mostrar que sei fazer outras coisas.

O filme e o personagem são inspirados na experiência pessoal de Tezza, registrada no livro que angariou os prêmios Jabuti, Portugal Telecom e São Paulo de Literatura. Em 1980, ele descobriu que seu filho Felipe nascera com síndrome de Down. Mas só em 2007 resolveu dar forma literária ao que classificou como um trauma em sua vida.

— Não passava pela minha cabeça escrever sobre aquilo — disse o autor. — Só depois eu comecei a pensar na possibilidade, porque a minha relação com o Felipe já tinha se transformado. Não tinha mais aquele trauma. E tinha que dar uma forma literária para aquilo. Fiz meio de impulso, estava com muito medo, era meu primeiro livro pessoal.

Veras interpreta Roberto, alter ego de Tezza. O filme relata as dificuldades enfrentadas pelo escritor iniciante para estabelecer relação com o filho, batizado de Fabrício na ficção. É uma narrativa em primeira pessoa que revela sensações como medo, insegurança e vergonha diante da condição da criança.

— O livro não é muito querido pelo universo de famílias que têm casos de síndrome de Down, porque é um desabafo — explica Machline, em entrevista por telefone da capital paranaense, onde as filmagens seguem até quarta-feira. — Diz o que esses pais sentem, mas ninguém tem coragem de falar. Quando a gente começou a estabelecer as premissas do trabalho de adaptação, sabíamos que tinha ali uma limitação.

Convivência fora das telas

No filme, a mulher do escritor, Claudia, interpretada por Débora Falabella, também ganha protagonismo. Escolhido por meio de testes com mais de cem crianças com síndrome de Down, o estreante Pedro Vinícius, de 9 anos, faz o papel de Fabrício dos 10 aos 14 anos. A ideia do roteiro de Leonardo Levis é mostrar a transformação do pai, que sofre inicialmente e depois acaba se adaptando. Nos 11 dias que antecederam o início da filmagem, Veras, Débora e Machline conviveram com o menino e sua família, como parte do processo de preparação.

Com previsão de estreia entre o fim do ano e o início de 2017, a adaptação cinematográfica de “O filho eterno” transcorre de 1982 a 1994 e é pontuada principalmente por duas das quatro Copas do Mundo ocorridas no período. Machline disse que se inspirou na paixão de Felipe, filho de Tezza, pelo Atlético Paranaense, para criar esse arco narrativo:

— É uma coisa meio Nick Hornby, o escritor inglês apaixonado pelo Arsenal, mas um pouco mais amarga. No filme, a gente usa a seleção brasileira, na época que a gente ainda se importava com ela, como referência. Em 1982, perdemos da Itália de forma dramática; em 1994, fomos campeões contra a Itália de forma dramática. Vira um pano de fundo muito legal.

A atuação de Pedro tem sido uma das grandes atrações do set de filmagem, segundo Veras e Machline. O menino trabalha com tempos mais elásticos, e as situações são sugeridas a ele, de forma que produza reações por indução. Muitas vezes, sua inocência e doçura surpreendem até os mais experientes.

— Ele não quer ver ninguém triste. Quando tem uma cena em que estou com a cara amarrada, ele logo olha para mim e diz: “Não fica triste, Marcos Veras” — conta o ator. — A convivência com o Pedro em Curitiba foi essencial. Não sou pai e estou preocupado porque a partir desta quarta vou me afastar desse menino. Com ele, aprendi uma outra forma de ver as coisas.

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