FABRÍCIO LOBEL DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO

 

Informações desencontradas, avião lotado, elevador interditado, mudança de portões de embarque e a perda de um voo. Tudo isso ocorreu na última quarta (17), no trajeto de ida e volta do escritor e cadeirante Eduardo Moreira, 40, entre São Paulo e Rio.

A viagem às vésperas da Paraolimpíada ocorreu a convite da Folha. A primeira armadilha se deu logo na chegada a Congonhas, às 6h. Ainda que tivesse comunicado com antecedência à companhia Latam que é cadeirante, foi informado que um assento prioritário não estava garantido.

“Mas, na hora do embarque, a gente pede para que alguém seja remanejado, e o senhor vai embarcar”, disse uma funcionária a ele.

“É um constrangimento. Agora eles vão ter que pedir a um passageiro que pagou mais caro para ter mais conforto em um assento maior que mude de lugar por minha causa”, disse Eduardo.

O mesmo ocorreu no retorno a São Paulo, feito pela Gol no mesmo dia. No check-in do Santos Dumont, uma atendente informou que não havia assento prioritário reservado. Mas, “por sorte”, os primeiros assentos, maiores e mais caros, estavam vazios.

A “sorte” do escritor, porém, não durou o dia todo. Mais cedo, pela manhã, ele tentou utilizar um dos quatro elevadores do saguão principal de Congonhas, mas todos estavam fora de operação.

“É para evitar que os passageiros prioritários fiquem na fila do raio-X dos outros passageiros, que está cheia”, disse um funcionário da Infraero (estatal que administra o aeroporto), que indicou um outro acesso exclusivo.

“E se eu estivesse com um grupo de amigos, eu teria que me separar deles?”, questionou Eduardo à Folha.

Na sala de embarque, o painel indicava a saída do voo às 8h, no portão 4. Ótimo, acesso fácil, com ponte direta para a aeronave. Até Eduardo perceber, já ao lado do portão, que seu embarque acabara de ser alterado para o andar inferior.

Ele acelera sua cadeira de rodas, ziguezagueando entre executivos e famílias que seguiam para os Jogos. Depois de pegar o elevador, se depara com uma sala de embarque lotada. Dali, não há acesso direto ao avião.

Com seguidos pedidos de “licença”, Eduardo chega ao portão mais distante da sala. Percebe que, apesar de faltar 14 minutos para o voo, o embarque já está encerrado.

Outros seis passageiros também ficaram de fora. Uma funcionária da Latam disse que os clientes deveriam ter se apresentado 15 minutos antes do voo. “Mas não é viável trocar de portão de última hora”, reclamou
Eduardo. “Não é viável”, concordou ela, que culpou Congonhas pelas várias trocas no embarque.

Viagem Turbulenta

A empresa se comprometeu a remanejar todos que ficaram no solo no voo das 8h30. Todos, menos Eduardo, que teve que aguardar até as 9h. “E isso é porque eu sou prioridade”, desabafou.

Quando Eduardo enfim embarcou, o avião entrou numa fila no aeroporto, por causa do alto fluxo para o Rio. A aeronave só pousou às 10h15 no Santos Dumont, 4h15 após Eduardo chegar a Congonhas.

Após uma tarde no Rio, o escritor retornou a São Paulo sem atrasos. Aconteceram, porém, mais alguns desencontros de informações. “Não sei se o senhor embarcará em um finger [ponte que liga a sala de embarque ao avião]. Meu sistema não tem essa informação”, disse uma atendente da Gol antes de correr pelo saguão do Galeão em busca de resposta.

“A impressão que tenho é que os atendentes tentam ser prestativos e suprir a falta de comunicação entre as companhias aéreas e o aeroporto”, comentou Eduardo.

Na última jornada do dia, no desembarque da Gol em Congonhas, ele descobriu que sairia da aeronave pelo ambulift (veículo com plataforma elevatória). Mas a porta da estrutura era pequena para sua cadeira e ele foi carregado por funcionários.

“Depois do cansaço e diante de outros passageiros que queriam sair da aeronave, acabei aceitando. Mas não é todo cadeirante que aceita”, diz.

“Espero que a Paraolimpíada seja uma oportunidade de melhorar a comunicação entre companhias e aeroportos e que as próximas gerações tenham um ambiente realmente acessível”, conclui.

OUTRO LADO

A Gol afirma que o procedimento padrão é reacomodar os passageiros de acordo com suas necessidades e prioridades em suas aeronaves. Segundo a empresa, o cliente com deficiência que eventualmente pagar por assentos mais caros é ressarcido.

Para a Paraolimpíada, a companhia diz ter contratado uma consultoria de acessibilidade e dispor de ambulifts (plataforma elevatória) e cadeiras robóticas para levar cadeirantes do solo ao avião.

Já a Latam declara que só consegue garantir que o lugar mais espaçoso não seja comercializado para outra pessoa se o passageiro avisar com 48 horas de antecedência do voo.

Caso contrário, o cadeirante, que tem prioridade, poderá ser realocado para um assento que foi comprado por outro cliente.

A partir do início dos Jogos, a empresa afirma que vai abrir uma porta do lado direito do avião para retirar as cadeiras de rodas e dar fluxo ao embarque. Além disso, vai armazená-las no compartimento de cargas presas com ganchos, ao invés de soltas.

Já a Infraero diz fazer simulados com deficientes físicos desde 2015 e dispor de três ambulifts em Congonhas e dois no Santos Dumont.

Sobre as dificuldades enfrentadas por Eduardo, declara que trocas de portões de embarque são comuns em aeroportos do porte de Congonhas.

Segundo a estatal, no voo perdido, a Latam não informou que o passageiro era cadeirante, o que poderia ter feito com que ele entrasse no avião por um finger (ponte que liga a sala de embarque à porta da aeronave). A Latam afirma que avisou a Infraero.

As três empresas dizem ter treinado seus funcionários por causa dos Jogos.