Estreante nos Jogos, esporte de contato rouba a cena em Toronto com fortes choques, cadeiras voando e jogadores ao chão: “É fascinante, por causa das batidas”

A estranheza é inevitável à primeira vista. Como pode um esporte de contato como o rúgbi ser disputado em cadeira de rodas? Basta a bola rolar para a surpresa dar lugar à admiração. Estreante nos Jogos Parapan-Americanos de Toronto, o rúgbi em cadeira de rodas está fazendo sucesso no Canadá. Presos a uma cadeira especial, toda blindada, os jogadores não medem esforços nos contatos.

Os choques, como os de carrinhos de bate-bate dos parques de diversões, encantam o público. Cadeiras voam nos impactos, levam os jogadores ao chão. Tudo parte do show, que entra na fase semifinal nesta quinta-feira, com duelo entre o Brasil (terceiro colocado na fase de grupos) e o anfitrião Canadá, atual vice-campeão paralímpico e mundial.

– Acho que a cadeira é o que atrai mais. Depois o contato, a dinâmica. Isso fica na cabeça. Você quer cada vez mais. A cadeira é diferente, toda blindada, lembra o Caveirão do Rio de Janeiro (carro blindado do Bope, o Batalhão de Operações Policiais Espaciais). Às vezes quando estamos viajando, eles perguntam: “É basquete?” Mas é rúgbi em cadeiras de rodas. Está começando no Brasil. As pessoas perguntas: “O que aquele bando de cadeirantes vai fazer?”

É um jogo de estratégia. É um jogo de contato. Para mim, é fascinante, por causa das batidas. Dói muito, mas eu gosto (risos). Quando as pessoas veem que não somos só cadeirantes, somos atletas de alto rendimento, fica legal, vibram muito – contou Bruno Damaceno Ferreira, jogador do Brasil.

Quedas são comuns e até comemoradas no rúgbi em cadeira de rodas (Foto: Fernando Maia/MPIX/CPB)Quedas são comuns e até comemoradas no rúgbi em cadeira de rodas (Foto: Fernando Maia/MPIX/CPB)

O rúgbi em cadeira de rodas nasceu justamente no país em que faz sua estreia no Parapan, o Canadá. Na década de 70, a modalidade surgia ainda com o nome de Murderball, a bola assassina. No programa paralímpico desde os Jogos de Sydney 2000, a modalidade ainda é recente no Brasil, que está disputando sua primeira grande competição no Parapan.

Adversário da semi desta quinta, Canadá derrubou o Brasil na estreia (Foto: Reuters)Adversário da semi desta quinta, Canadá derrubou o Brasil na estreia (Foto: Reuters)

– O rúgbi em cadeira de rodas é voltado para a tetraplegia e recebeu esse nome justamente por causa do contato, porque ele na verdade acaba misturando regra de outras modalidades, do basquete, do hóquei, do rúgbi… É formado por quatro jogadores de cada lado, tem a regra de quicar a bola a cada 10 segundos se não fizer passe. Não pode voltar a quadra, como no basquete. Tem 40 segundos pra concluir a jogada.

O objetivo é passar com a bola no fundo da quadra, meio como o rúgbi tradicional. O defensor pode usar de qualquer meio para parar a bola. O contato é permitido – explicou Alexandre Taniguchi, capitão do time verde-amarelo.

Um ponto alto do jogo é levar o adversário ao chão, parecido com o “tackle” do rúgbi tradicional. As amarras dos jogadores na cadeira e a blindagem fazem com que choques e quedas sejam seguros a tal ponto que os jogadores celebram quando derrubam um oponente.

– O objetivo da defesa é parar o ataque, e a gente fica feliz quando consegue, mesmo se está derrubando o cara. A maioria das pancadas não é nada que vá machucar o cara. Então a gente até comemora. É bem legal. Mas uma pancada ilegal vai ser punida. Não chega a ser violento, porque a regra existe para isso – disse Alexandre.

Bruno Damaceno compara cadeira de rúgbi com o Caveirão (Foto: Daniel Zappe/MPIX​/CPB)Bruno Damaceno compara cadeira de rúgbi com o Caveirão (Foto: Daniel Zappe/MPIX​/CPB)

Fisioterapeuta do time brasileiro, Márcia Cristina Fernandes conta que as quedas assustam, mas que raramente machucam os jogadores. Seu trabalho maior é em cuidar das lesões já adquiridas, aquelas que provocaram a tetraplegia nos jogadores. Dos 12 brasileiros em Toronto, apenas Moisés Batista é cadeirante por causa de uma má formação congênita. Anderson Kaiss foi vítima de um tiro ao reagir a um assalto. Três jogadores ficaram com severas limitações motoras após acidentes de carro. Os outros sete sofreram acidentes ao mergulharem no mar ou na piscina.

– A maioria do pessoal aqui quebrou o pescoço por mergulho também ou acidente de carro, ou tiro. Mesmo o nível da lesão sendo cervical, varia muito o que você recupera do movimento. Tenho movimentos bons nos braços, tenho parcialmente das mãos, dependendo do tipo de lesão fica mais comprometido com a mão e recebe uma classificação para ficar mais justo o jogo – explicou o capitão brasileiro.

Cada jogador recebe uma pontuação de 0,5 a 3,5 de acordo com sua capacidade motora. Cada time só pode ter oito pontos em quadra somando os quatro jogadores. Uma regra comum nos paradesportos coletivos, para que os desafios motores das equipes sejam equilibrados e a diferença fique no lado esportivo.

Alexandre Taniguchi é o capitão da seleção brasileira de rúgbi em cadeira de rodas (Foto: Daniel Zappe/MPIX​/CPB)Alexandre Taniguchi é o capitão da seleção brasileira de rúgbi em cadeira de rodas (Foto: Daniel Zappe/MPIX​/CPB)

O Brasil sofreu nos primeiros dois jogos em Toronto, perdeu na estreia para os donos da casa, atuais vice-campeões mundiais e paralímpicos – a Austrália detém os dois títulos -, e também caiu diante dos americanos, medalhistas de bronze no Mundial de 2014 e nos Jogos de Londres 2012.

No entanto, o time verde-amarelo conseguiu se recuperar com três vitórias tranquilas sobre os rivais sul-americanos Colômbia (53 a 41), Argentina (63 a 37) e Chile (45 a 6). A medalha é o foco, mas uma meta já foi conquistada pelos jogadores brasileiros: o rúgbi é prova de que são capazes de muito mesmo com limitações motoras.

– Vejo o rúgbi como uma modalidade atrativa. Acredito que até quem não seja elegível sente vontade de jogar. Jogar nos traz uma realidade bastante diferente da realidade do dia a dia de uma pessoa com bastante comprometimento motor, como é meu caso.

Em razão da tetraplegia, tenho algumas dificuldades no desenvolvimento das atividades diárias, uso adaptações, mas ainda assim, quando a gente está dentro de quadra, a gente sente uma liberdade no agir. A gente se sente mais capaz de desenvolver o que é requisitado pela modalidade – disse Luís Fernando Cavalli, jogador do Brasil.

Fonte: Cadeira à la Caveirão, bate-bate e quedas: rúgbi é sensação no Parapan